Capitulo 1

I. O Conselho de Estado sua Certidão de Nascimento

1.1. Nascimento.

Quando, há mais de cento e cinquenta anos, no já longínquo ano de 1845, a Carta de Lei de 3 de Maio cria o Conselho de Estado, órgão composto por doze conselheiros efectivos, doze conselheiros extraordinários, um secretário-geral e dezoito auditores, fica completo o quadro organizatório da Administração Pública portuguesa do período que se segue à Revolução Liberal de 1820, delineado sob influência francesa, no contexto da filosofia jusnaturalista e racionalista então reinante(1).

Com efeito, o Estado que surge com a Revolução Liberal funda-se no princípio orgânico-funcional da separação de poderes, com primazia do legislativo. A sua construção concreta decorre, porém, e em particular, da Carta Constitucional de 1826, em vigor em 1845, diploma que, embora com intermitências, se mantém vigente até à proclamação da República, em 1910.

E é assim que a homenagem, prestada pela Carta Constitucional, simultaneamente, aos princípios monárquico e democrático, faz emergir, no âmbito do poder estadual, um executivo forte, a exemplo, aliás, do que aconteceu em França, na volta do século xviii para o xix, a época da gestação do Conseil d’État – 4 de Nivoso do ano viii –, criando condições propícias à constituição de um órgão similar, com o objectivo de assessorar o executivo.

Por outro lado, e apesar de Portugal não ter conhecido a experiência francesa das lutas dos monarcas com as autoridades judiciárias, ao longo do Antigo Regime, determinante da interpretação original, feita nesse país, do princípio da separação de poderes, com completa autonomia do executivo perante o judicial(2), o jusnaturalismo de base racionalista encarregar-se-ia de justificar a necessidade de instaurar, também em Portugal, uma ordem administrativa na qual «entre o Estado todo poderoso e o simples indivíduo» nada se interpusesse, «nem sequer a autoridade judiciária».

Separação de poderes com primazia do legislativo, mas com um executivo forte, aliada ao jusnaturalismo de fundo racionalista confluem na configuração de um Estado que maneja junto dos particulares um poder sem rival, susceptível de modelar uma Administração actuando com prerrogativas e exorbitâncias desconhecidas das relações entre particulares, que não abdica, apesar disso, de se controlar. E embora o Estado liberal, sendo constitucional, se apresente pautado por normas jurídicas, como Estado disciplinado pelo direito, cedo se instalou a ideia de uma fundamental diferença entre o conjunto de normas que regula as relações de igualdade, entre privados, e o conjunto de normas que disciplina as relações entre a Administração estadual e os particulares que com ela se relacionam, relações onde um especial poder pontifica, criando nelas uma desigualdade essencial.

Material, funcional e organicamente, estão lançados os princípios indispensáveis à construção do novo modelo de Estado, o Estado Liberal.

Com o Governo nos Açores e após uma sangrenta guerra civil, D.PedroIV aprova, em nome da filha, D. Maria da Glória, as reformas que ficaram conhecidas pelo nome de quem as impulsionou, Mouzinho da Silveira. Entre elas conta-se a reforma administrativa, consagrada no Decreto n.º23, de 16 de Maio de 1832.

Seguindo o modelo francês(3), o Decreto n.º 23 procedeu a uma ampla alteração das bases organizatórias da Administração Pública portuguesa, particularmente a nível local. E, quando se confronta com a questão do controlo da acção administrativa, a solução proposta tão-pouco se afasta da francesa. Aí se anuncia a criação do Conselho de Estado e demonstra‑se a sua indispensabilidade na organização administrativa portuguesa, como órgão de recurso das decisões dos Conselhos de Prefeitura – «Há recurso do Conselho de Prefeitura para o Conselho de Estado», preceitua o artigo86.º do Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832.

Cerca de treze anos mais tarde, no mesmo mês de Maio, reinando D.Maria da Glória – D. Maria II –, concretiza-se o que antes se previra, isto é, dá-se corpo ao Conselho de Estado, referido no mencionado artigo 86.º do Decreto de Mouzinho da Silveira. Pela Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, que seria publicada no Diário do Governo n.º 111, de 13 de Maio do mesmo ano.

Estava criado o Conselho de Estado.

1.2. Antecedentes remotos.

Procurar as raízes do Conselho de Estado significa partir à procura da institucionalização de um grupo privilegiado de privados com os quais o monarca se aconselha.

Ora, desde muito cedo, na história sócio-política portuguesa, ainda no período medieval, há notícia de que o monarca se juntava com os membros da sua Corte para os ouvir, antes de actuar.

Na mundividência da época, o monarca, ao proceder deste modo, pretendia manter em aberto o seu poder, desenvolver um diálogo com a sociedade, mediatizado pelos membros da Corte, no cumprimento de um desejo de equilíbrio entre a razoabilidade e a consensualidade da sua acção – dualismo Rei/povo.

A origem divina do poder e a compreensão funcional deste, divulgada pelos canonistas – Deus criou o poder como uma necessidade social, tendo por objectivo a pacificação, ordenação e conservação da sociedade –, trouxe consigo o problema da obediência, aliado à «justeza» do seu exercício fáctico, e não foi difícil daí passar para a assimilação das teses contratualistas do pensamento cristão – embrionariamente em Santo Agostinho, com os «pactos de amor», e, mais claramente, em S. Tomás de Aquino, com a doutrina da transmissão mediata do poder divino através do povo.

Atribuindo ao poder a natureza de pactuado, o «consensus fidelium» entre o Rei e o povo torna-se o segredo da vivência sócio-jurídica medieval. Com efeito, se, de um lado, a limitação do poder régio, em virtude da sua origem divina, é clara, precisa e consubstanciada no direito, de outro, a liberdade de movimentos do monarca é ampla, pois lhe compete realizar o direito e este só ganha consistência positiva em contacto com a realidade, que é, por natureza, multiforme e está permanentemente em evolução. Sendo neste quadro de máxima limitação e de indeterminação extrema que o monarca medieval se move, a tarefa de «fazer justiça», missão por excelência do governante – Rei/juiz4 –, não pode deixar de se apoiar no consentimento do povo, quando não também na revelação do direito divino.

Por sua vez, a origem mesma da palavra «Rei» encontra-se em lhe competir o dever de julgar rectamente – «rex a recte judicando» –, o que, em sentido amplo, significa ser sua função dizer o direito e cumpri-lo, não podendo ficar fora dele, sob pena de perder a razão de reinar – «legem servare hoc est regnare».

A realização da justiça é, assim, a razão primeira do ofício do Rei –«eo Rey justo justifica realmente seu nome e conserva longamente seu Real estado e senhorio» (Ordenações Afonsinas, LivroV, Título1) –, e sabendo o monarca que só por ser justo podia ser chamado Rei – «e por esso he chamado Rey, para que aja de reger justamente seu Regno e manteer seu povoo en direito, e justiça» (Ordenações Afonsinas, LivroV, Título1)–, tinha de agir de modo particularmente cauteloso se queria manter-se no poder – «e quando o elle justamente nom rege, já nom merece seer chamado Rey, pois que nom conforma seu nome aas suas obras» (Ordenações Afonsinas, Livro V, Título 1).

Sendo o costume fonte, por excelência, do direito e, consequentemente, a sua indeterminação grande, por ausência de formalização, os conselheiros depressa se tornaram parte decisiva da acção régia. Não só auxiliavam o Rei a lembrar-se do que era direito, como o ajudavam a encontrar a solução justa, impedindo-o de errar. Não admira, por isso, que fossem chamados «parte de Nosso corpo» (Rei), sendo o atentado às suas vidas penalmente equiparado ao atentado à vida do próprio monarca (Ordenações Afonsinas, LivroV, Título2, 5).

Em suma, o monarca age «cum consilio» a fim de se certificar de que cumpre o direito, razão primeira do seu poder, pelo que os conselheiros régios têm importância capital – «as cousas graves e pesadas avemos sempre d’ordenar com seu conselho, e acordo» (Ordenações Afonsinas, LivroV, Título2, 5).

O ofício de conselheiro régio em breve foi institucionalizado e, para o servir, procuraram-se na Corte homens com particulares qualidades ou atributos: homens prudentes, avisados e de boa memória. A tarefa de auxiliar o monarca, em cada momento, a extrair da memória as tradições e valores em que o direito se vivifica, impedindo-o de cometer arbitrariedades, exige homens de confiança, porquanto estes encarnam uma garantia de justiça da acção régia, homens que assim se apresentam como a ponte entre o monarca e o direito que lhe compete «fixar autenticamente por escrito» (Niklas Luhmann). Por seu intermédio, o monarca, antes de decidir, comunica com a consciência jurídica da sociedade, apercebe-se dos valores que nela frutificam e procura depois plasmá-los na decisão.

De entre os conselheiros régios destaca-se o Chanceler-Mor, considerado, na senda das «Partidas» de Afonso X, o Sábio5, o medianeiro entre o Rei e os homens6, junto do qual se encontra o Capelão-Mor, o medianeiro entre o Rei e Deus.

No reinado de Afonso Henriques, o ofício do Chanceler-Mor já era conhecido7 e, de acordo com o seu regimento, constante das Ordenações Afonsinas, a indigitação deve recair sobre quem «seja bem razoado, de boõs costumes, de bôa memória e saiba bem leer e escrepver», que goste do seu Rei e «saiba conhecer ho erro», devendo, ainda, recair sobre quem seja de boa linhagem porque se o for terá «sempre vergonça de fazer cousa, que lhe estê mal» (Ordenações Afonsinas, LivroI, Título2).

O espírito do homem medieval, temente a Deus e acreditando na palavra dada, está bem presente no Chanceler-Mor, numa cadeia de fidelidades que lhe confere especial autoridade. Evidencia-se, de um lado, na escolha do homem certo para o lugar, em face da delimitação dos seus atributos; de outro, no especial juramento feito pelo Chanceler ao Rei; finalmente, na renovada fidelidade entre o Rei e o povo, que obriga aquele a seguir o conselho do Chanceler, se este lhe demonstrar a antijuridicidade dos actos sob seu controlo. Neste conselheiro régio convergem, assim, duas das ideias essenciais do sistema sócio-político medieval: a fidelidade e a necessária legitimação do poder no direito, reforçada esta última pelo facto de a instituição actuar num momento em que só se patenteia a «vis directiva» do direito, mantendo intocado o cerne do poder, onde a «vis coactiva» do direito releva.

Inicialmente, enquanto a actividade régia é diminuta, a função do Chanceler-Mor circunscreve-se à redacção e/ou autenticação dos documentos régios, sendo esta última empreendida por meio da aposição do «selo do Rei», tornado condição de eficácia dos actos régios. Sem o referido selo, os actos régios não podem executar-se.

Ao autenticar os actos que «dizem» o direito, colocando o selo régio, o Chanceler-Mor fornece ao povo a prova da legitimidade em que se funda o poder neles vertido – atesta que tais actos foram praticados pela pessoa do Rei (legitimidade do título) – e, através do controlo que exerce sobre a juridicidade desses actos – «e nom asselle as Cartas de Justiça, salvo se forem em forma direita…» (Ordenações Afonsinas, LivroI, Título1, 1)– certifica a sua conformidade ao direito tendo em conta o processo devido (legitimidade do exercício). Verificando-se discrepância entre a carta e o direito, os diplomas voltavam ao monarca, para que então correctamente se lavrassem e selassem, o mais tardar no dia seguinte «ataa ora de jantar»8. É evidente a celeridade que o monarca pretendia desenvolver na sua acção da justiça.

Com a ampliação das funções do monarca, o controlo do Chanceler‑Mor passa a incidir também sobre as Cartas de Graça. Antes de selar estas cartas, aquele oficial tem de verificar se vão «contra Nossos direitos, ou contra o Povoo, ou contra a Cleresia ou contra algua pessoa, que lhe tolha, ou faça perder seu direito», e se concluir afirmativamente, «nom a deve dassellar» (Ordenações Afonsinas, LivroI, Título 2).

Independentemente da reacção dos membros da sociedade afectados por actuações régias, o Chanceler-Mor intervém salvaguardando direitos e imunidades9, configurando-se como uma garantia institucional da justa acção do monarca.

A natureza consultiva da intervenção do Chanceler-Mor, agindo junto do monarca – «…nom a deve dassellar atae que falle com nosco» (Ordenações Afonsinas, Livro I, Título 2, 1) –, não lhe retira importância. Pelo contrário. Permite uma maior razoabilidade das decisões de poder, confere‑lhes um elevado grau de autoridade, sem pôr em causa o poder régio e a sua configuração à época. Acresce que, quando o poder régio se abre à intencionalidade política da realização do direito, o papel de conselheiro régio transforma-se em instrumento privilegiado de comunicação do monarca com o reino, canalizando anseios e necessidades sociais em cujo quadro o monarca vai desenhar a estratégia da sua acção – Chanceler-Mor enquanto medianeiro entre o Rei e os homens.

Além do Chanceler-Mor, que também aparece designado por Vedor da Chancelaria10, outros servidores régios assumiram, na Corte dos monarcas da primeira dinastia, a tarefa de conselheiros. É o caso do Escrivão de Puridade, do Corregedor da Corte, do Procurador dos Feitos do Rei, entre outros, com tarefas delimitadas em função do que é «cumpridouro».

No reinado de Afonso III (1248-1279), porém, os documentos mostram, pela primeira vez, a existência de um «consilio» ou conselho real no âmbito da Corte, mas dela autonomizado, enquanto órgão colegial formado por diferentes conselheiros, entre os quais se podiam contar o Chanceler-Mor, o Escrivão de Puridade11, o Corregedor da Corte12, o Procurador dos Feitos do Rei13, figurando como «privados» que o Rei consulta, mais do que oficiais ouvidos por inerência. Expressão da participação de altos servidores régios na tomada das decisões vitais do reino, este conselho tinha a sua actuação dependente de convocação régia, o que, se, de um lado, o transforma num «princípio vago e indefinido», de outro, no entanto, permite compreender a importância de que se reveste na política geral do reino.

Com efeito, quando, nas Cortes de 1385, os procuradores dos concelhos solicitam ao monarca a criação de um «conselho régio» como órgão de representação social – além dos letrados, em número de quatro, pede‑se que o conselho régio seja composto por representantes dos três Estados do Reino: dois membros do clero, quatro da nobreza e quatro do povo, concretamente cidadãos de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora – e de natureza permanente, isto é, não dependente de convocação régia, a consciência social da importância de um órgão colegial consultivo funcionando junto do monarca é um dado adquirido.

Apesar da solicitação das Cortes de 1385 não ter sido satisfeita – a não representatividade do conselho régio e a sua natureza não permanente mantêm-se –, a verdade é que, na dinastia de Avis, porventura por influência inglesa, o conselho régio não só é ouvido com regularidade pelo Rei no despacho das coisas políticas e de administração, na elaboração das leis, no julgamento de questões judiciais, como ainda nele se encontra uma ideia vaga de representatividade14. Nas Cortes de 1438 sente-se mesmo a necessidade de regular o funcionamento deste conselho, à época um órgão pesado, por força dos vinte e quatro membros que o compunham. É, por isso, dividido em turnos ou «giros» para que todos possam ser ouvidos15.

Com o rodar dos anos, ao mesmo tempo que o título de conselheiro se autonomiza do efectivo exercício de funções do conselho régio, vai-se processando uma especialização de tarefas por diferentes órgãos colegiais.

Ao lado dos que possuem o título de conselheiro por serem convocados regularmente pelo monarca para o aconselharem no Conselho del Rei, há quem o possua por extraordinariamente ser chamado a tal conselho e, bem assim, quem conserve o título depois de ter deixado de lhe pertencer, quer por perda de confiança do Rei quer por afastamento decidido por um novo Rei. Talvez por isso as Ordenações Afonsinas tenham preferido definir o que é um bom conselheiro, as qualidades que este deve possuir (Livro I, Título59), não dando relevo ao estatuto ou regimento do Conselho delRei. O que não impede a afirmação de que este é «uma instituição de autoridade», porquanto é uma instituição «integrada por autoridades»16, sabido, no entanto, que são mais os conselheiros do que aqueles com quem o monarca habitualmente se reúne para decidir em Conselho.

Quanto ao aludido processo de especialização de tarefas, assiste-se a uma autonomização de conselheiros que dão parecer em matéria de justiça – Casa do Cível – financeira – Casa dos Contos –, burocrática – Desembargo Régio –, política – Conselho del Rei.

É neste contexto de um exercício alargado do poder que D. Sebastião, no final do século xvi, dá regimento, por alvará de 8 de Setembro de 1569, ao Conselho de Estado, institucionalizado alguns anos antes pelo cardeal D. Henrique (1562).

A criação do Conselho de Estado corresponde a um modelo de Estado diferente do feudal, envolto numa mundividência diversa.

O Estado do período moderno é marcado por uma cada vez maior intervenção do monarca no âmbito social, fruto do desejo de unificar o poder e de o reforçar. Tal facto alia-se à compreensão, cada vez mais ampla e profunda, por parte do monarca, das necessidades do reino e de que é seu dever dar-lhes satisfação. Daí que, se a realização da justiça, no sentido de pôr termo a litígios que traduzam ofensa de direitos (matéria contenciosa), mantendo os equilíbrios sociais, é a característica da acção do monarca medievo, a realização da polícia, no sentido da «politeia» grega, dirigida à alteração dos equilíbrios sociais, satisfazendo interesses do todo (matéria governativa), é a marca do monarca deste novo período. Além disso, o monarca arroga-se o direito de determinar sozinho, longe de consensos, o «quê» e o «como» da sua acção, pelo que «reinar» perde o sentido funcional que o caracterizava no período anterior e torna-se uma actividade régia omnicompreensiva, integrando todas as tarefas necessárias ao bem comum, tal como este é interpretado pelo monarca. A faceta político-administrativa do exercício do poder, amalgamada na faceta legislativa, agiganta-se.

A monarquia portuguesa assimilou esta evolução de forma peculiar, sem abrir mão completamente dos equilíbrios que sabiamente soube desenvolver do período anterior. Continua, por isso, a entender que o «Rei deve de seer de tanta justiça e dereito que compridamente dê as leis a execuçom –doutra guisa mostrar-se-hia seu regno cheio de boas leis e maoos custumes, que era torpe cousa de veer», como refere Fernão Lopes no Prólogo da Crónica de D.Pedro. Ideia que António Ferreira, em carta a D. Sebastião, sinteticamente expressou: «deve à lei o que a fez, obediência»17. Por isso, também, nas Cortes de Santarém, na segunda metade do século xv (1451), o reino exige ao Rei que não altere as leis aprovadas em Cortes, no que é entendido como embrião do princípio da legalidade da Administração – «dizeis que a mudança das Leys trazem grande damno à terra e porque Nossos Capítulos com Nossas respostas devemos guardar segundo Leyes, as quais de pouco valerião se da Nossa Alteza não houvessem guarda; pedindo-nos por mercê que as mandemos bem guardar, e nom fazer en ellas mudança, salvo em Cortes»18.

Por outro lado, a doutrina da mediação popular do poder divino, geradora de uma ideia de partilha do poder, está patente nas Allegações de Direito que se ofereceram ao muito alto e poderoso Rei Dom Henrique… a 22 de Outubro de 1579, escritas a solicitação de D. Henrique sobre a questão da sucessão do trono. Aí se conclui que, estando o Reino vago por não haver pessoa de sangue real que possa legitimamente suceder ao Rei, os povos podiam, conforme o direito, eleger novo Rei que os governasse, tornando a usar do poder que por direito natural lhe competia.

No período da Restauração são, aliás, muitas as obras literárias portuguesas que defendem a origem pactícia do poder, bem como o seu exercício moderado – «o trono dos reis funda-se na justiça» porque esta é a «mãe de todas as virtudes»19.

E mesmo quando, ao longo do século xviii, se acentua o desequilíbrio da relação Rei/reino, o espírito tradicional de moderação não falece e António Ribeiro dos Santos, nos finais daquele século, pode ainda defender que o mais conforme à Razão é o Príncipe guardar as leis que impõe aos povos20.

É neste peculiar contexto evolutivo que, embora as Cortes reunam com menos frequência, os conselhos régios, agora institucionalizados como órgãos permanentes da administração central, segundo um processo em que a diferenciação orgânica se associa à especialização burocrática – Conselho da Fazenda, Mesa da Consciência e Ordens, Conselho de Estado, Conselho das Índias –, conseguem manter uma ideia de abertura do poder ao lado dos três tribunais superiores – Casa da Suplicação, Relação do Porto e Desembargo do Paço.

Ao monarca, cabeça do reino, cabe a função de coordenar as tarefas dos diferentes oficiais e órgãos da administração central do reino, entendidos como prolongamentos do seu corpo – seus «ouvidos», seus «olhos», suas «mãos» –, procurando a harmonia e a paz da acção de todos, o que restringe eventuais arbitrariedades do exercício do seu poder – concepção organicista do poder, presente ao longo do período moderno, particularmente nos séculos xvi, xvii e xviii.

Com um regimento dado por D. Sebastião em 156921 e uma casa no Paço para os conselheiros «…tratarem das coisas que lhes para isso Eu cometer…», o Conselho de Estado tinha uma peculiaridade relativamente aos demais conselhos: não possuía tarefas administrativas nem judiciais, só políticas, além de que as suas consultas não estavam limitadas em função da matéria, podendo incidir sobre todo o tipo de assuntos sobre que o monarca entendesse ouvi-lo. Daí que, inclusivamente, pudesse ser ouvido sobre questões já analisadas por outros conselhos ou tribunais da Corte, o que fazia do Conselho de Estado um órgão particularmente importante, de índole política, sendo-lhe permitido fazer «lembranças» ao monarca de assuntos que entendesse deverem ser analisados.

Em 1582, Filipe II criou o Conselho de Portugal22, para funcionar junto de si e dos futuros monarcas, com a tarefa de servir de ponte entre o reino de Portugal e a Corte de Madrid. Deu-lhe um regimento que seria refundido em 1586, 1602 e, provavelmente, em 1633. Apesar disso, o Conselho de Estado manteve-se, sediado em Lisboa, tendo inclusivamente o respectivo regimento sido alterado em 1624.

Com a Restauração, D. João IV entendeu dar-lhe novo regimento, o que fez em 31 de Março de 1645, criando no seu âmbito uma «junta especial», de composição restrita, com quem passou a despachar normalmente. Mas a especialização e consolidação das tarefas dos demais conselhos e tribunais da Corte contribuiu para que o Conselho de Estado fosse vendo restringir-se a sua esfera de acção às «questões de Estado», tornando-se num órgão honorífico.

O declínio do Conselho de Estado ficou claro no século xviii, particularmente durante o reinado de D. José. Em 1754 não existia nenhum conselheiro, para além dos vogais natos, os Secretários de Estado. Em 1760, porém, com a nomeação de cinco conselheiros, restabelece-se a sua actividade. Mas como esses conselheiros não foram substituídos depois da sua morte, a situação de 1754 repete-se em 1792, tendo D. MariaI então designado catorze novos conselheiros (1796).

Aponta-se a reforma das Secretarias de Estado, empreendida por D.JoãoV – Alvará de 28 de Julho de 1736 –, como a razão próxima do início do declínio do Conselho de Estado.

Na verdade, no período da Restauração havia somente um Secretário, denominado «de Estado», que assistia às sessões do Conselho de Estado e tomava nota das consultas, levando-as à presença do Rei. A este Secretário acresceu um outro, o Secretário das Mercês e Expediente, a quem foi cometida uma tarefa residual, a de despachar com o Rei «as restantes consultas». Mais tarde, aparece o Secretário da Assinatura e a confusão de tarefas entre eles evidencia-se. Para obviar a essa situação e procurar uma especialização funcional, D. João V leva a cabo a Reforma das Secretarias de Estado.

Ao delimitar as tarefas governativas das Secretarias de Estado, a quem deu nomes diferentes dos que até aí lhe eram atribuídos –Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos Estrangeiros e Secretaria de Estado da Guerra–, e ao atribuir-lhes a missão de reunir com o monarca para lhe levar ao conhecimento as consultas dos diferentes conselhos régios e preparar as respectivas decisões, a Reforma das Secretarias de Estado esvaziou o Conselho de Estado, que praticamente se reduziu à reunião dos Secretários de Estado.

Apesar da diminuta documentação existente sobre o Conselho de Estado, há notícia de que ele acompanha a Corte portuguesa quando, em 1807, parte para o Brasil.

1.3. Antecedentes próximos.

O sistema liberal português alvoreceu em 1820, com a Revolução de 24 de Agosto.

A injustificada demora da Corte portuguesa no Brasil, a crescente animosidade contra as autoridades inglesas no governo, bem como a excitação resultante do conhecimento de uma revolução vitoriosa na vizinha Espanha, que repôs em vigor a Constituição de Cádis (1812), por muitos considerada de vigência necessária em Portugal, constituíram as causas próximas da revolução.

Segundo o método consagrado na Constituição de Cádis – método de sufrágio indirecto –, adaptado à realidade portuguesa, têm lugar as primeiras eleições em Portugal para as Cortes Extraordinárias Constituintes, em Dezembro de 1820, e, na última semana de Janeiro de 1821, as Cortes começam a trabalhar. Durante o mês de Fevereiro, discutiram um projecto de diploma que foi aprovado para vigorar provisoriamente e servir de orientação à futura Constituição, o Decreto de 9 de Março de 1821. Oobjectivo foi «buscar as principais bases para a nova Constituição ao nosso antigo direito público»23 – «voltemos a nossos maiores! é o grito revolucionário», dirá mais tarde João Maria Tello de Magalhães Collaço24.

O referido Decreto consagra uma monarquia constitucional hereditária, com leis fundamentais que regulam o exercício dos três poderes: o legislativo é detido pelas Cortes, o executivo pelo Rei e seus ministros e o judiciário por juízes (artigo 23.º). O Conselho de Estado é expressamente previsto nas bases da nova Constituição (artigo 33.º), composto por membros propostos pelas Cortes. Estas bases da Constituição foram juradas por todas as autoridades e funcionários e, ainda, pelo Rei, quando chegou a Portugal vindo do Brasil, em 3 de Julho de 1821.

No seguimento do Decreto que aprovou as bases da Constituição, o Conselho de Estado viria a ter o seu regimento aprovado por Decreto de 25deSetembro de 1821, publicado em 2 de Outubro do mesmo ano. Nasce como órgão de consulta política, composto por oito conselheiros propostos pelas Cortes e escolhidos pelo Rei e por este presidido.

Sobre aquelas bases foi elaborada a Constituição de 1822, assinada em 23 de Setembro de 1822, e nela se institucionaliza o órgão Conselho de Estado (artigos 162.º e ss.).

Apontando o «desprezo dos direitos do cidadão» e o «esquecimento das leis fundamentais da Monarquia» como as grandes causas das «desgraças públicas» que oprimem a «Nação Portuguesa», a Constituição de1822 deixa expresso, no preâmbulo, que só pelo «restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação». É, de novo, a reafirmação da necessidade de voltar «aos nossos bons e antigos usos e costumes»25. Como João Maria Tello de Magalhães Collaço refere, a propósito da revolução liberal portuguesa, «é que a liberdade não desabrochava contra o regime nem contra o Rei que continuava a ser o mais generoso e amável dos soberanos: ela ia apenas iluminar o quadro das nossas instituições antigas e consumir a lembrança dos opressivos governadores do reino»26.

E é apelando às «instituições antigas», a quem foram dadas novas roupagens, que a Constituição de 1822 dá vida, de um lado, a um Conselho de Estado, funcionando junto do monarca – artigos 162.º-170.º –, lembrando vagamente um Senado Federal, composto por seis conselheiros das províncias da Europa, seis das do Ultramar e o décimo terceiro da Europa ou do Ultramar, «como decidir a sorte» (artigo 162.º), todos escolhidos pelo Rei de listas votadas em Cortes (artigo 164.º) e com um mandato de quatro anos (artigo 165.º); de outro, à figura dos Secretários de Estado, em número de seis (artigo 157.º), nomeados e demitidos livremente pelo monarca e responsáveis perante as Cortes (artigo 159.º).

A vigência da Constituição tinha, porém, as horas contadas e não foi desta ainda que o Conselho de Estado, qual segunda câmara do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, entra em funções. Chefiada por D.Miguel, a revolta, conhecida por Vilafrancada (Maio de 1823), influenciada pelos acontecimentos políticos em Espanha, faz dissolver, em 3 de Junho de1823, as Cortes e põe fim à obediência à Constituição.

Restaurado o Governo absoluto, é prometida uma nova Constituição – o projecto de Ricardo Raimundo Nogueira, avesso à separação de poderes, assume a categoria de projecto oficial da Junta, presidida pelo Conde de Palmela, Junta criada para elaborar a Constituição. O projecto não seria, no entanto, aprovado.

A independência do Brasil – 7 de Setembro de 1822 – levanta, porém, a grave questão da sucessão, sabido que D. Pedro, ao aceitar a Coroa Brasileira, fica impossibilitado de suceder a D. João VI, em Portugal. D. Pedro abdica, então, do trono de Portugal na filha, D. Maria da Glória, com a condição de esta casar com o tio, D. Miguel. Antes, no entanto, no uso de direito próprio, outorga, em 29 de Abril de 1826, a Carta Constitucional, para vigorar em Portugal.

Influenciada pela Constituição brasileira de 1824 que, por sua vez, recebera influência do modelo constitucional inglês, a Carta Constitucional é «uma das mais monárquicas, senão a mais monárquica, das Constituições do seu tempo»27.

Ao lado dos clássicos poderes legislativo, executivo e judicial, cria o poder moderador, teorizado por Benjamim Constant, e entrega-o ao monarca (artigos 71.°-74.º). Ao lado deste, para o auxiliar nos «negócios graves e medidas gerais de Pública Administração», bem como, em geral, nas «atribuições próprias do poder moderador», emerge um Conselho de Estado, na linha do tradicional órgão político que assessorava o Rei – Conselho del Rei – com conselheiros vitalícios, nomeados pelo monarca, responsáveis pelas suas opiniões (artigos 107.º-112.º).

Quando a Carta Constitucional chega a Portugal, em 2 de Julho de 1826, as eleições para deputados são convocadas e, uma vez realizadas, as Cortes abrem em 30 de Outubro. Não conseguem, porém, fazer aprovar as leis que complementam a Constituição e permitem a sua efectiva entrada em vigor.

O país fervilha e a desconfiança com que a Carta Constitucional é recebida obriga D. Pedro a chamar D. Miguel a Portugal, à época em Viena, e, quando este chega, em 22 de Fevereiro de 1828, é recebido como Rei. A Carta Constitucional é esquecida, as Cortes tradicionais convocadas e D. Miguel proclamado Rei. De 1828 a 1834, o constitucionalismo liberal conhece um interregno.

No exílio, cedo se desenham três tendências: uma conservadora, outra democrata e uma terceira moderada, apelidada dos amigos de D. Pedro, da qual faz parte Mouzinho da Silveira.

Fiéis à causa monárquica, os amigos de D. Pedro reúnem na ilha Terceira, em redor de D. Pedro, que entretanto abdicara do trono brasileiro (7 de Abril de 1831) e assumira, em nome da filha, D. Maria da Glória, a regência portuguesa. A partir de 1832, Portugal entra numa crise aguda de guerra civil que se prolonga até à Convenção de Évora Monte, em 1834. D. Miguel parte de Sines para o exílio e D. Pedro morre em Queluz, quatro meses depois.

Um novo período constitucional se inicia, outra vez sob a vigência da Carta Constitucional (segunda vigência: 1834-1836), tendo como monarca D.Maria da Glória, a Rainha D. Maria II. Nas Cortes, entretanto eleitas segundo o preceituado da Carta, detectam-se os três movimentos partidários já mencionados e, no governo, o movimento conservador do Conde de Palmela é fortemente contestado pelo movimento democrata de Passos Manuel, contestação que termina em revolta – Revolução de Setembro de 1836. A Carta cai e a Rainha é obrigada a jurar a Constituição de 1822 «com as modificações que as circunstâncias fizessem necessárias».

Dá-se início ao segundo período de vigência da Constituição de 1822, com Passos Manuel na chefia do Governo.

As violações à Constituição são, no entanto, contínuas – Ditadura Setembrista –, e o número dos que pretendem o regresso à Carta Constitucional engrossa – partido cartista. A fim de conciliar as forças em presença, o Decreto de 6 de Novembro de 1836 autoriza os deputados a fazer «na Constituição do ano de mil oitocentos e vinte e dois e na Carta Constitucional de mil oitocentos e vinte e seis as alterações que julgarem necessárias» (artigo único) e, em 26 de Janeiro de 1837, os deputados reúnem‑se em assembleia constituinte, concluindo um novo texto constitucional em 20 de Março de 1838.

A Constituição, «verdadeiro pacto da nação com o soberano, concedendo a este o direito que anteriormente não tinha», é aprovada em 4 de Abril de 1838.

Influenciada pelos ideais do vintismo, a Constituição de 1838 afirma residir a soberania na nação, ao mesmo tempo que regressa à separação tripartida de poderes, afastando o poder por direito próprio do monarca, consagrado na Carta. As Cortes são formadas por duas Câmaras – a dos Senadores e a dos Deputados (artigo 36.º) – e o monarca detém o poder executivo com os Ministros e Secretários de Estado, por si nomeados e demitidos livremente (artigo 82.º,I). A Constituição não prevê a existência de um Conselho de Estado.

Também a Constituição de 1838 não estava destinada a ter vida longa, tendo vigorado somente quatro conturbados anos, de sucessivas remodelações ministeriais. E é reagindo contra a instabilidade política que Costa Cabral, em 27 de Janeiro de 1842, proclama, no Porto, a volta à Carta Constitucional. No dia 9 de Fevereiro, a Rainha D.Maria II encarrega o Duque da Terceira de formar governo e, no dia seguinte, a Carta Constitucional é, de novo, oficialmente restaurada – terceiro período de vigência, que se prolonga até à proclamação da República, em 5 de Outubro de 1910.

Nos sessenta e oito anos que durou a terceira vigência da Carta, o sistema constitucional português conheceu um período de relativa estabilidade, deixando para trás vinte e dois anos de lutas intestinas 28.

Ora, é na Carta Constitucional, como se viu, que se retoma a tradição do Conselho de Estado, órgão consultivo do monarca, particularmente no exercício do poder moderador (artigos 107.º-112.º).

Por outro lado, é ao longo dos vinte e dois anos de lutas que precederam a terceira vigência da Carta Constitucional que se conhecem e divulgam em Portugal os ideais de construção do sistema administrativo francês, no quadro do jusnaturalismo racionalista, tão ao gosto da época.

«A Administração é uma ciência deduzida de elementos naturais e fundada em princípios universais e estáveis»; «quaisquer que sejam os sistemas de Administração dos diferentes povos, em relação às pessoas e às coisas administrativas, a doutrina administrativa é independente do tempo e do país e, logo, universal: como os princípios primitivos da sociedade e da legislação, tem a base na natureza». Assim se exprime Charles Jean Bonnin no seu Abrégé des Principes d’Administration, obra de 1829, adoptada como Manual na cadeira «Direito Público pela Constituição, Direito Administrativo Pátrio, Princípios de Política e Direito dos Tratados de Portugal com os outros Povos», criada pela reforma universitária de 1836, regida pelo deputado da Assembleia Constituinte de 1821 e lente da Universidade de Coimbra, Basílio Alberto de Sousa Pinto29.

A divulgação da obra de Bonnin no ambiente político português parece dever-se ao deputado Francisco Soares Franco, lente de Medicina, que escreveu o folheto Extracto dos princípios fundamentais do sistema administrativo de França por Mr. Bonnin, e sua comparação com os de Portugal30. Além disso, a edição de 1812 dos Principes d’Administration Publique foi «profusamente distribuída aos nossos deputados constituintes, depois da revolução de 1820…», segundo informa Manuel Emídio Garcia 31.

A veneração pelos textos de Bonnin é tal que no prefácio de um texto da sua autoria, traduzido por anónimos e publicado em folheto «impresso em Guimarães, cautelosamente, na tipografia de Vieira» – Aphorismos da doutrina social ou princípios universaes das leis deduzidas da natureza do homem e dos direitos do género humano –, se afirma que as máximas de Bonnin devem servir «de lição aos Legisladores, e de moral aos Cidadãos», e se deseja que nas escolas se adopte «a leitura deste opúsculo». «Os Escritores são de todos os tempos, e de todas as Nações; pelo que as verdades por elles ennunciadas devem adoptar-se». Os tradutores, que igualmente prefaciam o texto, chegam a acrescentar que «a obra de Mr. Bonnin se deve considerar como Nacional».

Não surpreende, por isso, que os ensinamentos de Bonnin estejam presentes no projecto de divisão do território, apresentado à Câmara dos Deputados pela comissão de que fazem parte Alexandre Tomaz Morais Sarmento e Francisco de Paula Travassos, em 1828, que não esconde que «busca o tipo do seu projecto na administração francesa» e fundamenta a especial orgânica da justiça administrativa por si proposta na especialização das leis a executar, como Bonnin defende. Este autor é, aliás, fielmente seguido na intervenção de Rebelo da Silva na Câmara dos Deputados, a propósito de outro projecto de diploma – lei orgânica da administração geral das províncias do reino – quando afirma: «se as leis versam sobre objectos cometidos ao exercício do poder judicial, pertence-lhe vigiar sobre a observância fiel daquelas leis; se as leis versam sobre objectos administrativos, tocantes ao todo da sociedade, a execução destas leis pertence privativamente ao governo, porque a administração geral é o apanágio privativo do governo; se os objectos administrativos não se referem ao todo da sociedade mas sim aos cómodos, e incómodos dos moradores de um distrito, na sua relação de vizinhos, a gerência imediata destes objectos pertence às respectivas câmaras em conformidade das leis que lhes serve de regimento. Eis aqui os princípios consagrados em todos os países monárquicos, e na Carta Fundamental, da qual nos não é lícito separar»32.

É neste contexto que o relatório que antecede o Decreto n.º 23, de 16de Maio de 1832, de Mouzinho da Silveira, se apresenta, em larga medida, como a tradução do Abrégé des Principes d’Administration33 e não admira que o modelo francês dos «conselhos administrativos», criados para julgar a Administração, tivesse, pela mão de Bonnin, entrado em Portugal– o artigo 80.º do Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832, cria os «Conselhos de Prefeitura», de cujas decisões (artigo 85.º) se pode recorrer para o «Conselho de Estado» (artigo 86.º).

Na verdade, como ensina Bonnin, a «administração pública não é só acção, é também uma justiça: se a acção forma a sua essência própria, ojulgamento é também um dos seus atributos»34. Para esse julgamento, o autor defende a existência de «conselhos administrativos», no seio da Administração, com o objectivo de «temperar» a acção administrativa no que ela pode ter de arbitrário e dar uma garantia legal aos particulares. Não sendo os membros destes conselhos magistrados, não há o perigo de lutas entre autoridades administrativa e judiciária. Além disso, longe de pôr em causa a força da acção administrativa, o julgamento feito por órgãos no interior da Administração tende a reforçar essa acção35. Finalmente, tais órgãos são expressão mesma da especialidade da lei a que pretendem dar execução através do julgamento.

O fecho da concepção deste autor francês encontra-se no modo de resolver os conflitos de competências entre o judicial e o administrativo: se estes resultam de obscuridade ou ausência de lei, é o legislativo quem os deve decidir; se decorrem de abuso de execução ou má compreensão da lei, é o Governo36. Neste sentido, o Decreto n.º 27, de 19 de Maio de 1832, de Mouzinho da Silveira, no artigo 1.º, segundo, consagra, para o conflito entre o judicial e o administrativo, o seguinte: «…aos Prefeitos compete somente estabelecer a existência do conflito, dando imediatamente conta de tudo ao Governo para este decidir, ouvido o Conselho de Estado…».

Tendo presente a ideia, expressa no relatório dos diplomas n.os 22, 23 e 24, de que «a mais bela e útil descoberta moral do século passado foi, sem dúvida, a diferença de administrar e julgar», o modelo organizatório francês da justiça administrativa37 é, assim, recebido em Portugal nos diplomas de Mouzinho da Silveira.

Cerca de dez anos depois de o deputado das Cortes Constituintes Francisco Soares Franco as ter difundido num folheto e concluído que «não seria desacertado» criar em Portugal um órgão correspondente ao conselho de prefeitura francês, porque «não se pode prescindir da justiça administrativa»38, as referidas teses entram no ordenamento jurídico-político português. A justiça administrativa passa, assim, a ser da competência de recém‑criadas «autoridades judiciárias» ou «tribunais especiais», chamados «Conselhos de Prefeitura». De acordo com o disposto no Decreto n.º23, de 16 de Maio de 1832, «Além dos Magistrados de Delegação Régia, que fiscalizam a administração, há a Autoridade Administrativa Judiciária, a qual é confiada a um tribunal especial com o título de Conselho de Prefeitura para decidir sobre o contencioso da administração» (artigo8.°). Formados por três conselheiros nomeados pelo Rei, sob proposta do Conselho de Estado, os Conselhos de Prefeitura são presididos pelos Prefeitos (artigos 80.º-84.º) e detêm competência deliberativa em matéria contenciosa relativamente a litígios em que as autoridades locais estão envolvidas (artigos 85.º e 87.º), havendo recurso das suas decisões para o Conselho de Estado (artigo 86.º). Para além do julgamento destes recursos, o Conselho de Estado exerce ainda, nos termos do disposto no artigo9.º, a «Inspecção Geral Administrativa».

Apesar do que se disse, quando D. Pedro, por Decreto de 19 de Setembro de 1833, cria o Conselho de Estado, a sua configuração obedece ao disposto no artigo 107.º da Carta Constitucional. O Conselho de Estado aparece simplesmente como órgão consultivo do monarca – particularmente no exercício do poder moderador –, não lhe sendo cometidas competências de órgão de justiça administrativa, quer em via de recurso das decisões dos Conselhos de Prefeitura, quer em relação a actuações administrativas do Governo e demais órgãos superiores da administração.

Em nome da Rainha, D. Pedro regula, no mencionado Decreto, a organização do Conselho de Estado. Este surge composto por doze conselheiros, com o ordenado anual de 2.400$00 réis cada um (artigo 1.º). Reúne «as vezes que Eu o determinar, e no logar que para isso lhe fôr designado» (artigo2.º) e, se o Rei não estiver presente, o Conselheiro de Estado mais antigo presidirá (artigo 4.º). Os Conselheiros de Estado terão o tratamento de excelência e nas funções públicas e de Corte precederão a todas as outras corporações do Estado (artigo 8.º).

Combatido a vários níveis, por contrário à tradição nacional39, o Decreton.º23 é repudiado no projecto de António Luís de Seabra, apresentado a 6deOutubro de 1834, que defende uma nova organização administrativa para Portugal e a atribuição do contencioso administrativo aos tribunais judiciais.

«A devolução do contencioso» às «justiças ordinárias» passa a ser uma constante das propostas de alteração do Decreto n.º 23, apresentadas na Câmara dos Deputados, perante a passividade de Mouzinho da Silveira, que assiste aos debates. O Decreto de 18 de Julho de 1835, autorizado pela Carta de Lei de 25 de Abril de 1835, aprova a desejada reforma administrativa e as questões do contencioso administrativo são «devolvidas ao poder judicial» (artigo 97.º). Em matéria não contenciosa, prevê-se que possa haver recurso do Conselho de Distrito para o Conselho de Estado (artigo 100.º).

Na sequência da Revolução de Setembro de 1836, o Conselho de Estado é abolido – Decreto de 15 de Setembro de 1836 – e as suas competências em via de recurso dos Conselhos de Distrito passam para o Conselho de Ministros. Por pouco tempo, porém. O Decreto de 3 de Outubro do mesmo ano manda remeter para definitiva resolução aos Conselhos de Distrito, que remodela, os recursos que aguardavam decisão no Conselho de Ministros. Termina a possibilidade de recorrer das decisões dos Conselhos de Distrito.

Sob a influência de Passos Manuel, chefe do movimento progressista, é aprovado, em 31 de Dezembro de 1836, o primeiro Código Administrativo40, o qual reconhece aos tribunais judiciais a competência para julgar o contencioso da administração local (artigo 170.º). Nada se refere quanto ao contencioso dos órgãos superiores da Administração.

A Carta de Lei de 29 de Outubro de 1840 vai, porém, de novo, atribuir o contencioso da administração a órgãos dentro da Administração, os Conselhos de Distrito – «o contencioso administrativo pertence aos Conselhos de Distrito, salvos os recursos que a lei determinar» (artigo24.º), prevendo-se, no entanto, que o julgamento deste contencioso seja precedido de «audiência contraditória das partes interessadas» (artigo26.º).

Registe-se que, na discussão que antecedeu a aprovação desta Carta de Lei, foi avançada, ao que se julga pela primeira vez em Portugal, a necessidade de criar um «tribunal superior administrativo na capital do Reino», para onde se pudesse recorrer das decisões dos Conselhos de Distrito (deputado Derramado)41. A referência é tanto mais interessante quanto se sabe que só mais de vinte anos depois (1863), em Baden, na Alemanha, é criado um órgão com idêntica designação –Tribunal Superior Administrativo– e competência decisória.

O diploma de 1840, não cria, no entanto, um órgão de recurso que uniformize a justiça administrativa, o que porventura terá resultado do facto de o anterior Código, de 1836, que lhe serviu de modelo, não prever o recurso das decisões contenciosas42. A verdade, porém, é que, no âmbito deste Código, essa ausência se compreendia, porque o contencioso administrativo estava entregue ao poder judicial, sendo, por isso, natural o recurso das decisões dos tribunais inferiores para os superiores e, em última instância, para o Supremo Tribunal de Justiça. Quando o contencioso administrativo é entregue aos Conselhos de Distrito, como estes, enquanto órgãos do contencioso, não estão inseridos numa hierarquia, era impossível interpor recurso das suas decisões.

Este desiderato é sanado no Código Administrativo de Costa Cabral, de 1842. Aí se atribui aos Conselhos de Distrito, enquanto tribunais administrativos, «o contencioso da administração», reconhecendo-se, ao mesmo tempo, o recurso das decisões dos Conselhos de Distrito para o Conselho de Estado (artigo 280.º).

Faltava, agora, criar na prática esse órgão superior do contencioso administrativo, o órgão que fosse a cúpula do sistema de justiça administrativa, o órgão designado no Código Administrativo de Costa Cabral por Conselho de Estado.

Apesar do nome, este Conselho de Estado não se identifica com aquele que a Carta Constitucional, à data vigente, prevê (artigo 107.º) e para o qual fora delineado já um Regimento –Decreto de 19 de Setembro de 1833– que o configura como órgão de consulta política do monarca, na linha do Conselho del Rei da tradição portuguesa43. E mais longe está ainda de se identificar com o Conselho de Estado que a Constituição de 1822 consagrava, vagamente lembrando uma segunda Câmara de um Estado Federal, como se viu.

O órgão consagrado no Código Administrativo de Costa Cabral e designado por Conselho de Estado é, pelo contrário, um órgão de recurso do contencioso administrativo, que foge à linha tradicional no tocante às tarefas que lhe são cometidas, enfileirando na experiência do Conseil d’État, criado em França em 4 do Nivoso do ano viii, e do Conselho de Estado de que o Decreto n.º23 de Mouzinho da Silveira falava (artigo 87.°).

O modelo do Conseil d’État não foi, porém, aceite sem contestação em Portugal.

Com efeito, quando, após a entrada em vigor do Código Administrativo de Costa Cabral, o Governo apresentou na Câmara dos Deputados um projecto de lei para a organização do Conselho de Estado com a competência prevista naquele Código, de imediato se delinearam duas correntes de opinião44: os que entendiam que se devia aproveitar o órgão do Conselho de Estado previsto na Carta Constitucional (artigo107.º), acrescentando-lhe as tarefas de órgão do contencioso administrativo, e aqueles que entendiam não ser aquele órgão adequado a tais tarefas, devendo criar‑se, ao seu lado, um verdadeiro Supremo Tribunal Administrativo.

Os que defendiam esta segunda opinião eram de parecer que a competência contenciosa

Iria desvirtuar o órgão constitucional Conselho de Estado, afastando-o da tradição monárquica portuguesa, de órgão de consulta política. Além disso, entendiam que, sendo órgão consultivo do monarca e seu Governo em matéria contenciosa administrativa, não poderia contrabalançar, como seria desejável, a acção da Administração. Finalmente, argumentavam que o Conselho de Estado constitucionalmente previsto não podia ter competências administrativas, porquanto fora concebido somente como órgão de consulta política45. Propunham, por isso, a criação de um outro órgão, um Supremo Tribunal Administrativo.

Os defensores da tese contrária defendiam que a Carta Constitucional não proibia a atribuição ao Conselho de Estado de competência em matéria de contencioso administrativo, tanto mais que o artigo 110.º do diploma fundamental expressamente consagrava deverem os conselheiros ser «ouvidos em todos os negócios graves, e medidas gerais de pública administração». Acrescentavam que, se se criasse um tribunal ao lado do Conselho de Estado, como órgão de cúpula do contencioso da Administração, seria o mesmo que criar um «5.º poder político» dentro do Estado, desequilibrando, consequentemente, os poderes constitucionalmente consagrados. Em último lugar, avançavam que a solução do tribunal iria aumentar as despesas públicas, seria uma medida «anti-económica», e, havendo na estrutura estadual um órgão, o Conselho de Estado, capaz de empreender a tarefa de julgamento do contencioso administrativo, perdia razão de ser a criação de um tribunal46.

Basílio Alberto de Sousa Pinto, enfileirando com os defensores da primeira corrente de opinião, contra-argumenta dizendo que a Carta Constitucional exclui do Conselho de Estado as tarefas do contencioso administrativo, na medida em que, ao afirmar que lhe incumbe dar parecer sobre «medidas gerais» da Administração Pública, quis expressamente afastar do seu conhecimento as actuações concretas, os casos particulares. Tal facto fundamenta-se na necessidade que o Rei tem de manter a sua autoridade e não perder a confiança do povo, o que se obtém colocando o Conselho de Estado, seu órgão consultivo, acima das controvérsias individuais. Os pareceres do Conselho de Estado devem, por isso, limitar-se a questões de ordem geral, como a Carta Constitucional consagra.

E Basílio Alberto de Sousa Pinto acrescenta uma outra razão de importância extrema. Como as tarefas do Conselho de Estado são de aconselhamento do monarca, e como mantém essa qualidade de órgão consultivo do Rei quando analisa o contencioso da administração, então isso significa ser o Rei quem decide as questões contenciosas, o que desvirtua por completo as suas funções. A «impecabilidade e inviolabilidade», qualidades essenciais do monarca constitucional, são postas em causa por tais decisões, que obrigam a envolver-se nas paixões dos casos particulares. Aconhecida máxima «o Rei reina, mas não governa» é substituída por Basílio Alberto de Sousa Pinto por esta outra, mais rigorosa e impressiva: «oRei reina e governa mas não administra», justificando a substituição com o facto de «governar» trazer consigo a ideia de «medidas gerais», enquanto que «administrar» apontar para «medidas especiais», realidade de que se pretende ver o monarca alheado, para que seja o símbolo da unidade47.

O decisivo interesse desta controvérsia reside na circunstância de o exemplo francês ser pouco mencionado em abono da tese do Conselho de Estado. Registe-se o caso do deputado Silva Cabral, que o refere para fundar a necessidade de atribuir natureza consultiva ao Conselho de Estado em matéria de contencioso administrativo48, mas tenha-se presente a viva contestação do deputado Gavião49. Pode, em termos gerais, dizer-se que a discussão é fundamentalmente de origem nacional, sem que sejam avançados os argumentos teóricos que fundaram a criação do Conseil d’État, em França. Gira em torno do órgão Conselho de Estado, da sua natureza consultiva e das suas competências constitucionais, das características da tradição monárquica deste órgão, dos problemas financeiros resultantes da criação de um verdadeiro tribunal superior do contencioso administrativo, dos problemas políticos que emanam de um novo órgão superior de julgamento, ao lado do Conselho de Estado.

Não deixe, no entanto, de reter-se que Bonnin caracteriza o direito da Administração Pública como um direito especial, diferente do direito que rege as actuações entre os particulares, e parece ser nesse enquadramento teórico que Basílio Alberto de Sousa Pinto defende a atribuição do julgamento do contencioso administrativo superior a um tribunal criado ex novo, com competência decisória, à margem do Conselho de Estado, órgão político consultivo. Apesar disso, não se impressionou com as afirmações do autor francês quando este defende ser «dans l’ordre politique même que se trouve placé le conseil d’appel des conseils de préfecture et ce conseil c’est le Conseil d’État. Ce principe n’est, en effet, qu’une conséquence de ce principe fondamental, que l’administration est une suite du Gouvernement»50.

As razões invocadas por quem pretendia um verdadeiro tribunal superior do contencioso administrativo, autónomo do órgão político, não obtiveram vencimento. Vencedoras saíram, pelo contrário, as razões invocadas no Parecer da Comissão de Administração Pública, assinado pelo publicista Silvestre Pinheiro Ferreira51, apresentado à Câmara dos Deputados na sessão de 22 de Fevereiro de 1845 e elaborado sobre a proposta do Governo para a organização do Conselho de Estado52.

Pela sua importância, transcreve-se o conteúdo desse parecer:

«A Comissão, reconhecendo que é absolutamente indispensável regular quanto antes por uma lei a organização do Conselho de Estado, decretada no art. 107.º da Carta Constitucional, a fim de que possa convenientemente desempenhar as altas funções que lhe incumbem, na qualidade de corpo político; reconhecendo que este corpo, tanto pela sua hierarquia e eminente posição social, como pelas distintas capacidades de que é composto, é o mais próprio, não só para auxiliar o Governo com a sua ilustrada experiência nos graves assuntos de administração pública, mas também para decidir em última instância, como tribunal de recurso, as importantes questões do contencioso administrativo; reconhecendo que a criação de um supremo tribunal administrativo é absolutamente indispensável, não só como a chave de toda a organização administrativa, mas também como uma garantia dada aos cidadãos contra as invasões da autoridade e que é da mais urgente necessidade fazer cessar a anomalia, em virtude da qual corpos menos qualificados exercem a excessiva prerrogativa de decidir em primeira e última instância gravíssimas questões contenciosas; convindo que se torne quanto antes efectiva a providente disposição do Código Administrativo, que estabelece o recurso dos Conselhos de Distrito para o Conselho de Estado, para que cesse esta paralização do curso da justiça administrativa, tão funesta aos interesses das partes; reconhecendo, finalmente, que o supremo tribunal administrativo, a ser organizado em corpo distinto, aumentaria de uma avultada verba as despesas públicas, ao passo que, sendo constituído por secções do Conselho de Estado, se obtém o mesmo fim com um pequeno aumento de despesa: é de parecer que a proposta do Governo deve, com as pequenas alterações que a Comissão apresenta, ser aprovada» (actualizou-se a ortografia; itálico nosso).

Aprovado o projecto, nasce a Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, que atribui ao Conselho de Estado, órgão consultivo do Rei e seu Governo, as referidas competências contenciosas. Estas cumulam-se às competências políticas decorrentes da Carta Constitucional e às competências de administração pura.

Posteriormente, em 16 de Julho de 1845, é publicado o Regulamento do Conselho de Estado, um diploma longo, de cento e setenta e oito artigos, aprovado no uso da autorização dada pela Carta de Lei de 3 de Maio para proceder ao desenvolvimento da organização e funcionamento do Conselho de Estado.

Pode ser nomeado Conselheiro de Estado quem, para além de ter mais de trinta e cinco anos de idade, se tiver distinguido «por talentos e provada capacidade na gerência dos negócios públicos em algum lugar superior do Estado» (artigo 3.º do Regulamento). A nomeação dos conselheiros efectivos é vitalícia, não sendo as suas funções «incompatíveis com o exercício de qualquer outro emprego público»53, mas o vencimento anual de 2.000$00 réis não pode ser cumulado com outro vencimento do Estado (artigos 4.º, 6.º e 7.º do Regulamento). O Regulamento prevê que os Conselheiros de Estado sejam «responsáveis pelos conselhos que derem opostos às leis e ao interesse do Estado, manifestamente dolosos» (artigo10.°).

Presidida pelo Rei e secretariada pelo Conselheiro de Estado mais moderno em exercício (artigo 21.º do Regulamento), a Assembleia Geral do Conselho de Estado só pode deliberar se estiverem presentes, pelo menos, dois terços dos seus membros (artigo 23.º do Regulamento), podendo assistir às suas sessões, sem direito a voto54, os Ministros e Secretários de Estado (artigo 24.º do Regulamento).

Enquanto órgão político, o Conselho de Estado funciona em Assembleia Geral e é ouvido sobre a nomeação dos Pares do Reino, convocação extraordinária das Cortes, perdão ou moderação das penas impostas aos réus condenados por sentença, declaração de guerra ou ajuste de paz, negociações internacionais (artigo 22.º do Regulamento).

Enquanto órgão de administração pura, o Conselho de Estado funciona em secção – Secção Administrativa –, e é ouvido sobre todos os requerimentos da Administração Pública, bem como sobre os regulamentos da Administração Pública (artigos 29.º, 30.° e 33.° do Regulamento).

Enquanto órgão do contencioso administrativo, o Conselho de Estado funciona igualmente em secção – Secção do Contencioso Administrativo – e propõe os decretos sobre os recursos interpostos das decisões administrativas em matéria contenciosa e sobre os conflitos de competência entre as autoridades administrativas, sobre os recursos que se interpuserem por incompetência e excesso de poder de quaisquer autoridades administrativas (artigos 31.º e 37.° do Regulamento).

O Conselho de Estado funciona ainda como tribunal de conflitos, propondo os decretos de resolução dos conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e judiciárias (artigo 31.º, 2.º e artigos 105.º-153.º do Regulamento), e como tribunal supremo do julgamento das contas públicas, propondo os decretos de resolução dos recursos do Tribunal do Conselho Fiscal das Contas, «nos casos de incompetência, transgressão de fórmulas ou violação de lei» (artigo 31.º, 5.º do Regulamento).

Recorde-se brevemente ter o Tribunal do Conselho Fiscal de Contas sido criado ao lado do Tribunal do Tesouro Público pelo Decreto de 18 de Setembro de 1844.

Previsto na Carta Constitucional de 1826 (artigo 136.º)55, o Tribunal do Tesouro Público é criado pelo Decreto n.º 22, de 16 de Maio de 1832, por Mouzinho da Silveira, durante a regência de D. Pedro IV, em nome da filha, nos Açores, e instalado em 31 de Julho de 1833. Viria a ser extinto pelo Decreto de 26 de Setembro de 1836.

O despacho dos negócios pertencentes ao Tribunal do Tesouro Público passa então a ser feito pelo Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda – Instruções que acompanham o Decreto de 28 de Setembro de 1836.

Em 24 de Abril de 1837, o Ministro da Fazenda propõe a criação de um Tribunal de Contas, órgão que, aliás, será consagrado na Constituição de 1838.

Com a restauração da Carta Constitucional, em 27 de Janeiro de 1842, o Decreto de 9 de Março restabelece o Tribunal do Tesouro Público, com as funções constantes do Decreto n.º 22, de Mouzinho da Silveira. Em 15 de Abril, a sua organização e funcionamento são regulamentados.

Mais tarde, com o Decreto de 18 de Setembro de 1844, a Fazenda Pública é reorganizada e, ao lado do Tribunal do Tesouro Público, é criado o Conselho Fiscal de Contas, que conheceu a sua regulamentação em 27 de Fevereiro de 1845. O Tribunal do Tesouro Público fica com jurisdição sobre as contribuições e impostos, directos e indirectos (artigo 7.º do Decreto de 18 de Setembro de 1844), não se prevendo recurso das suas decisões, salvo o de petição para o Governo. O Conselho Fiscal das Contas fica incumbido de julgar as contas das receitas e das despesas públicas, com recurso para o Conselho de Estado (artigos 11.º e 20.º do Decreto de 18 de Setembro de 1844). O Conselho Fiscal de Contas irá manter-se até 1849, altura em que, por Decreto de 10 de Novembro, a reorganização dos serviços da Fazenda irá criar, em sua substituição, o Tribunal de Contas, a quem foi dado regimento em 27 de Fevereiro de 1850.

O Tribunal do Tesouro Público sucede, por sua vez, ao Erário Régio, que esteve em actividade de 1761 a 1832 e do qual Sebastião José de Carvalho e Melo, então Conde de Oeiras e mais tarde Marquês de Pombal, foi o primeiro Inspector-Geral (exerceu funções de 1762 a 1777) – no relatório que acompanha o Decreto de extinção do Erário Régio, Mouzinho da Silveira refere-se a este como o «velho e monstruoso Erário do grande marquês».

Por seu turno, o Erário Régio, criado por Carta de Lei de 22 de Dezembro de 1761, substituiu a Casa dos Contos que, com o incêndio subsequente ao terramoto de 1755, viu as suas instalações no Terreiro do Paço destruídas. D.José aproveitou a ocasião para fazer uma profunda reforma financeira, marcada pela centralização, determinando que todas as rendas da Coroa dessem entrada no recém-criado Erário Régio, dele saindo os recursos para suportar as despesas da Coroa.

Quanto à Casa dos Contos, parece que a sua autonomização se deve a D.JoãoI, tendo conhecido o seu primeiro Regimento em 5 de Julho de 1389 – posteriormente, cf. Regimentos de 1419 (D.JoãoI), 1434 (D.Duarte), 1516 (D.ManuelI), 1560 (D.Sebastião) e 1627 (D.FilipeII).

Criado por lei e conhecendo um regulamento de organização e funcionamento, com conselheiros nomeados por Decreto de 26 de Dezembro de 1845, a secção do contencioso administrativo do Conselho de Estado inicia funções, elaborando a consulta, homologada por Decreto da Rainha D.MariaII, de 23 de Março de 1846, publicado no Diário do Governo de 28 de Abril. Em Artigo único, e conformando-se com a consulta, a Rainha decretou: «Fica suspensa a execução da Postura da Câmara Municipal do Porto… que proibe as fábricas de velas de cebo no interior daquella cidade… até que seja resolvido definitivamente o recurso que interpôs e que se acha pendente no Conselho de Estado».

A actividade do Conselho de Estado deste período, funcionando em Secção do Contencioso Administrativo, estava, porém, destinada a reduzir-se a esta Consulta.

Na verdade, por Decreto de 29 de Maio de 1846, publicado no Diário do Governo de 1 de Junho do mesmo ano, o Conselho de Estado foi suspenso – o referido Decreto suspendeu a vigência da Carta de Lei de 3de Maio de 1845 e do Regulamento de 16 de Julho de 1845 – e só por Lei de 19 de Agosto de 1848, publicada no Diário do Governo de 21 de Agosto, a suspensão foi levantada, sendo repostos em vigor os diplomas de 1845. Durante o período da suspensão, o Ministério do Reino terá decidido trinta e três Decretos sobre contencioso administrativo, que foram remetidos ao Conselho de Estado, em 1848, para aí serem arquivados.

Em 14 de Outubro e 9 de Novembro de 1848, foram nomeados novos Conselheiros de Estado e, por ordem da Rainha de 27 de Novembro de 1848, entendendo-se que o «Tribunal Administrativo do Conselho de Estado» já podia constituir-se «regularmente para entrar no exercício das suas funções», foi «fixado o dia 29 do mês de Novembro corrente pela uma hora da tarde, para se verificar a instalação do Conselho de Estado Administrativo». Ficou na mesma ordem consagrado que as sessões e audiências do Tribunal e os trabalhos de secretaria têm lugar nas salas que, «para todos esses serviços se acham destinadas no Ministério do Reino, enquanto se não fizer pronto um edifício próprio e privativo para a colocação do mesmo tribunal».

Notas

  1. C. J. B. Bonnin, autor francês com grande divulgação em Portugal –cfr. Aphorismos da doutrina social ou princípios universaes das leis deduzidos da natureza do homem e dos direitos do género humano, Tip. de Vieira, sem data – difunde princípios entendidos como «universais».
  2. Segundo a Lei de 16 do Fructidor do ano iii, o judicial não podia conhecer «os actos da Administração de qualquer espécie que fossem».
  3. Como expressamente reconhece o Relatório que acompanha os Decretos n.os 22, 23 e 24, todos de 16 de Maio de 1832, «Quanto à Administração, a matéria e a forma são novas para Portugal, e as bases são tomadas na Legislação de França…».
  4. A designação, atribuída pela doutrina moderna ao Estado Medieval, de Estado de Justiça, tem aí inspiração e permanente justificação. António Castanheira Neves lembra também ter o juiz precedido historicamente o legislador e, nos momentos de crise ou conflito, a necessidade de os superar determina sempre o apelo àquela função originária do governante – ser juiz – na qual se encarna a função mais autêntica do direito. A Revolução e o Direito. A situação de crise e o sentido do direito no actual processo revolucionário, Lisboa, 1976, pp. 231 e ss.
  5. A lei n.º 4 do título9,II, das «Partidas» serviu de base ao texto que consta das Ordenações Afonsinas. Sobre a influência das «Partidas», em Portugal, Henrique da Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nos séculos xii a xv, Lisboa, 1946, tomoIII, 2.ªed., pp. 230-232, Marcello Caetano, História do Direito Português, vol.I, Lisboa, 1981, p. 342.
  6. Ordenações Afonsinas, LivroI, Título2: oChanceler-Mor é o medianeiro «antre Nós, e os home~es, quanto he em as cousas temporaaes».
  7. Sobre o ofício de Chanceler-Mor no reinado de Afonso Henriques, Ruy de Azevedo, «A Chancelaria Régia Portuguesa nos séculosxii e xiii – Diplomas de Afonso Henriques», in Revista da Universidade de Coimbra, 1940, vol.XIV, pp. 31‑80.
  8. Armando Luís de Carvalho Homem, Subsídios para o Estudo da Administração Central no Reinado de D.PedroI, Porto, 1978, p.9.
  9. Por isso, A.M.Hespanha conclui ser «o poder da Coroa deontologicamente dirigido à salvaguarda de direitos e imunidades», AsVésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal. Séc. xvij, Lisboa, 1986, vol.I, p.756.
  10. Sobre a designação «Vedor da Chancelaria» como variante da de «Chanceler», Armando Luís de Carvalho Homem, Portugal nos Finais da Idade Média: Estado, Instituições, Sociedade Política, Livros Horizonte, 1990, p. 64.
  11. Sobre as origens e tarefas deste oficial régio, Armando Luís de Carvalho Homem, ODesembargo Régio (1320‑1433), Porto, 1990, pp. 111‑114.
  12. Sobre as origens e tarefas do Corregedor‑Mor – o «Ministro da Justiça» do tempo, na opinião de Armando Luís de Carvalho Homem, Portugal nos Finais…, p. 177, e do Juiz dos Feitos del Rei, Marcello Caetano, História…, pp.482‑483, Martim de Albuquerque, «OPoder Político no Renascimento Português», in Revista Trimestral do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, Lisboa, 1967, vol.V, n.°3, pp.768-769.
  13. Sobre as origens e tarefas deste oficial palatino, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Dajustiça administrativa em Portugal. Sua origem eevolução, Lisboa, 1994, pp.95ess.
  14. Sobre a composição deste órgão após 1385, com elementos do clero, fidalguia e povo, Armando Luís Carvalho Homem, Portugal nos Finais…, pp. 151 e 236 e ss.
  15. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Lisboa, 1973, pp.285-286. Cf. Henrique da Gama Barros, História…, tomoIII, cap.«O conselho do Rei e os tribunais», em especial, pp. 251 e ss.
  16. «A Monarquia Feudal», História de Portugal, vol.II, coordenação de José Mattoso, p. 516.
  17. Dionísia Camões, «António Ferreira e as ideias políticas da Renascença», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1923-1925, anoviii, p. 481.
  18. Fortunato de Almeida, História de Portugal, Coimbra, 1925, III, p.73. Cf. agravamento 101.° das Cortes de Lisboa de 1371 in Marcello Caetano, «Subsídios para a História das Cortes Medievais Portuguesas», in Actas do Congresso Histórico de Portugal Medievo, 1963, vol.I, pp.151‑152.
  19. António de Sousa Macedo, Harmonia Política. Dos documentos divinos com as conveniencias d’Estado, 1651, p. 10.
  20. Notas ao TítuloIII dos Juízos e Penas do Novo Código de Direito Público de Portugal, escrito em 1789, Coimbra, 1844, pp.149‑150.
  21. Systema ou Collecção dos Regimentos Reaes, 1791, vol.VI, pp.471‑472.
  22. Foi nas Cortes de Tomar, em 1581, em que Filipe II de Espanha foi jurado Rei – Filipe I de Portugal –, que os povos pediram ao monarca que despachasse os negócios do Reino na nossa língua, com portugueses, um Chanceler-Mor, um Vedor da Fazenda e dois Desembargadores do Paço, com quatro escrivães. O Rei concordou e assim nasceu o Conselho de Portugal.
  23. Diário das Cortes, 1821, vol.I, p.79.
  24. Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito português, Coimbra, 1915, p. 44.
  25. Diário das Cortes, 1821, vol.I, p.80.
  26. Ensaio…, p. 44.
  27. Marcello Caetano, Constituições portuguesas, Ed. Verbo, 1981, p. 32.
  28. Durante este terceiro período de vigência, a Carta conheceu quatro Actos Adicionais – em 1852, 1885, 1896 e 1907.
  29. A obra de Bonnin, Principes d’Administration Publique, teve três edições – 1808, 1809 e 1812 – com grande sucesso. Porém, como a obra se estendia por três volumes, o autor entendeu que, para a sua fácil difusão, seria útil um Abrégé des Principes d’Administration, que publicou em 1829.
  30. Este texto, trabalhado sobre a obra de Bonnin, Principes d’Administration Publique, ed. 1812, foi publicado em 1822.
  31. Prefácio da obra, escrita por alunos, com o título Estudo Sociológico para a sétima cadeira da Faculdade de Direito, Coimbra, 1880, p. XI.
  32. A intervenção de Rebelo da Silva na Câmara dos Deputados vem reproduzida em Marcello Caetano, «Os antecedentes da reforma administrativa de 1832», in Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, organização e prefácio de Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, 1994, pp.364‑365.
  33. Manuel Emídio Garcia, ob. cit., pp. XI e XII. Cf. João Maria Tello de Magalhães Collaço, «Um plágio famoso», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, anovi, 1920‑21, pp.115-142; João Gaspar Simões, «Almeida Garrett», in Jurisconsultos Portugueses do séculoxix, 1960, vol.II, p.198.
  34. Bonnin, Abrégé…, p.431.
  35. Abrégé…, p. 32.
  36. Abrégé…, pp. 451-452.
  37. Este modelo organizatório está consagrado na lei de 28 do Pluvioso do Ano viii – 13 de Fevereiro de 1800.
  38. Extracto…, p. 95.
  39. Sobre as resistências várias ao Decreto n.º23, ver Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Da justiça administrativa…, pp.453-454.
  40. A expressão Código Administrativo é retirada também da obra de Bonnin, que defende a sua existência, pese embora com um conteúdo mais vasto do que aquele que lhe foi dado no ordenamento jurídico português. Principes d’Administration Publique, Paris, 1812, vol.III, pp. 6 e ss.; Abrégé…, pp.425 e ss.
  41. Diário das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, 1840, vol.6.º (Ag./Set.), pp. 201 e ss.
  42. Esta situação é expressamente mencionada em Apontamentos de Direito Administrativo com referência ao Código Administrativo Português de 18 de Março de 1842, redigidos segundo as prelecções orais do Ilmo. Sr. Basílio Alberto de Sousa Pinto, feitas no ano de 1844 a 1845 por Lopo José Dias de Carvalho e Francisco de Albuquerque Couto, Coimbra, 1849, pp.37‑38.
  43. Sobre este órgão, Silvestre Pinheiro Ferreira, Manual do Cidadão em um Governo Representativo ou Princípios de Direito Público Constitucional, Administrativo e das Gentes, tomo I, Paris, 1834, p. 318.
  44. Ver discussão que teve lugar na Câmara electiva de 22 de Fevereiro a 10 de Março de 1845, in Diário das Cortes, 1845.
  45. O Deputado Gavião chega a propor, como questão prévia, todavia não admitida, que a Câmara «resolva se o Conselho de Estado, de que fala o artigo 107.º da Carta Constitucional, se deve incumbir de outras funções, além das marcadas no artigo110.º da mesma Carta», in Diário das Cortes, 1845, sessão de 28 de Fevereiro.
  46. Sobre estes argumentos, Apontamentos…, (obra citada na nota 42), pp.39‑41.
  47. Apontamentos…, (obra citada na nota 42), p.41.
  48. Diário das Cortes, 1845, sessão de 26 de Fevereiro.
  49. Referindo-se ao Conseil d’État, afirma: «é sabido que esta jurisdição se deve, na sua máxima parte, a Napoleão, o qual suposto não disse como Luís XIV – o Estado sou eu – contudo, na prática, deu-lhe melhor execução… limitou a jurisdição dos tribunais e, se provas faltassem, bastaria a existência do contencioso administrativo». Diário das Cortes, 1845, Sessão de 5 de Março.
  50. Principes d’Administration Publique, tomo II, Paris, 1812, p. 104; cf. p.75, onde também se afirma que «la justice politique se trouve dans le Conseil d’État».
  51. O parecer está também assinado por José Bernardo da Silva Cabral, Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (vencido em parte), J. M. Ribeiro Vieira, D. João d’Azevedo, José Homem de Figueiredo Leitão, A.L. da C. Pereira de Vilhena e José Maria Grande.
  52. Diário das Cortes, n.º14, 1845, Sessão de 22 de Fevereiro. Este parecer encontra-se também transcrito na obra de José Silvestre Ribeiro, Resoluções do Conselho de Estado, vol.I, Lisboa, 1854, p.26.
  53. Os Ministros e Secretários de Estado podiam ser Conselheiros de Estado efectivos (cf. artigo 24.º, parte final, do Regulamento).
  54. Salvo se forem Conselheiros de Estado efectivos (artigo24.º do Regulamento).
  55. Dispõe o artigo136.º: «A Receita e Despesa da Fazenda Pública será encarregada a um Tribunal debaixo do nome de – Tesouro Público – onde em diversas Estações e devidamente estabelecidas por Lei se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade». A Constituição de 1822 não prevê um órgão semelhante, embora contenha normas em matéria financeira (cf. artigos 227.º-235.º).

Quanto à Constituição de 1838, de vigência efémera, previa um Tribunal de Contas, no artigo 135.º, nos seguintes termos: «Haverá um Tribunal de Contas, cujos membros serão eleitos pela Câmara dos Deputados.

§ 1.º Pertence ao Tribunal de Contas verificar e liquidar as contas da receita e da despesa do Estado e as de todos os responsáveis para com o Tesouro Público.

§ 2.º Uma lei especial regulará a sua organização e mais atribuições».