Capitulo 6

VI. O Supremo Tribunal Administrativo, tribunal especial integrado no poder executivo

6.1. Os primeiros anos de vida.

No ano em que é aprovada e entra em vigor a Constituição de 1933, dá-se início a um novo período de evolução da organização da justiça administrativa em Portugal, através do Decreto para valer como Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933, período que se prolonga até às reformas legislativas que se seguiram à Revolução de 25 de Abril de 1974.

As três auditorias administrativas mantêm-se. Porém, o Supremo Conselho de Administração Pública é substituído pelo Supremo Tribunal Administrativo, a funcionar junto da Presidência do Conselho, tendo-lhe sido reconhecida uma configuração particular.

Com efeito, ao contrário do que acontecia com o Supremo Conselho, o Supremo Tribunal Administrativo é um órgão sem competência consultiva. Todo ele é delineado como um verdadeiro tribunal, dotado de competência própria, sem que a execução das suas decisões dependa de homologação ou de qualquer acto ministerial de publicação. É constituído por um presidente, nomeado livremente pelo Governo de entre «indivíduos diplomados em direito que tenham exercido elevados cargos públicos», e por seis juízes (artigo1.º). Estes são igualmente nomeados pelo Governo de entre professores das Faculdades de Direito, magistrados judiciais da segunda instância ou do Supremo Tribunal de Justiça, directores-gerais, secretários‑gerais dos Governos Civis e auditores administrativos com mais de dez anos de exercício do cargo, e advogados com dez anos, pelo menos , de exercício de advocacia  (artigo 2.º, § 2.º) 130. Todos têm honras, direitos, categoria e vencimentos, respectivamente, do presidente e dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 3.º).

O diploma prevê ainda a existência de um tribunal inominado, de tipo arbitral, correspondente ao que o Decreto para valer como Lei n.º 19 243, de 16 de Janeiro de 1931, designara por Tribunal dos Conflitos 131. Destina-se ao julgamento dos conflitos de jurisdição e competência entre autoridades administrativas e judiciais, e é composto pelos juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e por três juízes do Supremo Tribunal de Justiça, sorteados para cada processo. O presidente deste tribunal é o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, o qual só volta nos casos de empate (artigo 17.º).

O Supremo Tribunal Administrativo é composto por três secções. Para além da já mencionada Secção do Contencioso Administrativo, compõem-no a Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos  e a Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social (artigo 2.º).

Dos acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso Administrativo e pela Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos pode, em certos casos, haver recurso para o Tribunal Pleno, constituído pelo presidente e por todos os juízes das secções (artigo 12.º).

O Supremo Tribunal Administrativo que nasce por força do Decreto n.º 23 185 é, assim, um órgão complexo quer quanto à sua composição horizontal – três secções -, quer vertical – duas instâncias de decisão, em secção e em pleno -, quer ainda quanto à possibilidade de, a partir dele, se formar um outro órgão jurisdicional – tribunal dos conflitos.

Secção do Contencioso Administrativo recebe as atribuições contenciosas do Supremo Conselho de Administração Pública. Isso significa que a sua área de intervenção se não estende ao Ultramar, onde exerce jurisdição o Conselho Superior das Colónias 132, que se mantém até 1935, sendo então substituído pelo Conselho do Império Colonial 133.

Tenha-se presente que, desde meados do século XIX – Decreto de 23 de Setembro de 1851 -, a competência contenciosa administrativa relativa ao ultramar pertencia ao Conselho Ultramarino. Este era necessariamente ouvido sobre os recursos contenciosos interpostos dos governadores coloniais para o Governo e sobre os conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e entre estas e as judiciárias, além de ser ouvido em matérias políticas, legislativas e administrativas relativas ao Ultramar. Em 1868, pelo Decreto de 23 de Setembro, autorizado pela Lei de 9 do mesmo mês, o Conselho Ultramarino é extinto, dando origem à Junta Consultiva do Ultramar, inicialmente com competência reduzida, mas que, aos poucos, recupera grande parte da que o anterior Conselho Ultramarino detinha – cf. Decreto de 20 de Setembro de 1984. Porém, de 1868 a 1911, a instância superior do contencioso administrativo local ultramarino é o Supremo tribunal Administrativo (artigo 65.º do Decreto de 20 de Setembro de 1984)134.

Com a proclamação da República, a Junta Consultiva do Ultramar passa a chamar-se Junta Consultiva das Colónias, para logo o Decreto com força de Lei de 27 de Maio de 1911 a extinguir, dando origem ao Conselho Colonial (artigo 25.º).

O Conselho Colonial é criado «com atribuições de consulta sobre assuntos jurídicos, de administração das colónias e de Tribunal do Contencioso» (artigo 26.º da Lei de 27 de Maio de 1911), conhecendo o seu regimento por Decreto de 30 de Junho de 1911. A Lei n.º 38, de 11 de Julho de 1913, introduz alterações ao regimento e a Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias Ultramarinas – Bases 3.ª e 4.ª anexas à Lei n.º 277, de 15 de Agosto de 1914 – acrescenta que, «como tribunal do contencioso administrativo, as suas decisões sobre recursos de sua competência são definitivas». O Decreto n.º 6189, de 30 de Outubro de 1919, que atribuiu novo regulamento ao Conselho, não alterou a situação descrita.

A necessidade de «criação de uma instituição superior da administração colonial com funções de orientação, contencioso e fiscalização» determinou, em 1926, além do mais, a substituição do Conselho Colonial pelo Conselho Superior das Colónias – Decreto com força de Lei n.º12110, de13 de Agosto de 1926. As funções contenciosas pertenciam a uma secção constituída por dois magistrados judiciais de segunda instância das colónias, por dois vogais de nomeação para esse fim designados pelo presidente e pelo vogal eleito pela colónia a que o assunto respeitava.

O Conselho Superior das Colónias dá origem, por força da Lei n.º 1.913, de 23 de Maio de 1935, e na sequência de novas leis orgânicas da administração colonial, ao Conselho do Império Colonial, «órgão superior da governação pública» que «desempenha as funções de Supremo Tribunal Administrativo em relação ao Império Colonial Português».

Do exposto decorre estar o contencioso administrativo do Ultramar fora das competências do Supremo Tribunal Administrativo, adstrito como está à competência de um órgão consultivo e jurisdicional próprio, especializado.

Mas o recém-criado Supremo Tribunal Administrativo, para além da Secção do Contencioso Administrativo, tem ainda a Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos.

Tenha-se presente que a reforma dos impostos, iniciada em 1926, foi completada com a reforma do contencioso, contida no Decreto para valer como Lei n.º16733, de 13 de Abril de 1929.

Ainda em 1926, a comissão elaborou um relatório onde propunha a criação de tribunais especiais para o julgamento do contencioso das contribuições e impostos, «de modo a obter-se uma solução rápida das questões entre o contribuinte e o fisco». E fundava a sua proposta nos seguintes princípios: «para se garantir a imparcialidade e desinteresse é necessário que o Estado, parte no processo, não seja em caso algum o julgador, e que os juízes não tirem proventos da solução do pleito; para se conseguir a rapidez dos julgamentos e a competência dos juízes é necessário manter os tribunais especializados»135.

A reforma de 1929 não altera a organização e as competências da primeira instância do contencioso mas cria a segunda instância e o tribunal superior como tribunais especiais. Composto por três juízes da magistratura judicial, funcionando junto da Direcção de Finanças de Lisboa, o tribunal de segunda instância decide o recurso das decisões proferidas em primeira instância pelo chefe de repartição de finanças do respectivo concelho ou bairro (artigos2.º e 3.º do Decreto n.º16733). Das decisões do tribunal de segunda instância há recurso para o Tribunal Superior do Contencioso das Contribuições e Impostos, composto por três juízes da magistratura judicial e funcionando junto da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (artigos4.º e 40.º do mesmo Decreto n.º16733). Os acórdãos do Tribunal Superior do Contencioso das Contribuições e Impostos são publicados na segunda série do Diário do Governo e deles não se pode recorrer para qualquer outra instância.

É neste horizonte jurídico que o diploma que restabeleceu o Supremo Tribunal Administrativo, em 1933, encontra a organização do contencioso das contribuições e impostos. Aliás, o diploma que antes criara o seu antecessor, o Supremo Conselho de Administração Pública, excluíra expressamente do contencioso administrativo e, logo, da competência deste órgão, «as questões privativas… das Contribuições e Impostos» (§2.º, 3.º, do artigo1.º do Decreto n.º18017, de 28 de Fevereiro de 1930).

Entendeu, então, o legislador de 1933 extinguir o Tribunal Superior do Contencioso das Contribuições e Impostos e transferir os juízes que naquela data constituíam este tribunal, «independentemente de nomeação e posse», para a recém-criada Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos do Supremo Tribunal Administrativo. Esta secção fica com organização idêntica à do tribunal extinto (artigo2.º, §3.º, do Decreto-Lei n.º23185) e, bem assim, com a competência por este detida – «competem à 2.ªSecção as atribuições que actualmente pertencem ao Tribunal Superior do Contencioso das Contribuições e Impostos» (artigo9.º do mesmo Decreto-Lei n.º23185). Junto da secção, e subordinado ao Ministro das Finanças, «continuará o director-geral das contribuições e impostos a exercer as funções de representante da Fazenda Nacional» (artigo4.º, al.b), do referido Decreto‑Lei n.º23185).

Quanto à Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social, a terceira Secção do Supremo Tribunal Administrativo, é constituída por dois juízes da Secção do Contencioso Administrativo e um da Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos, que se alternam «por períodos semestrais para os primeiros e por períodos trimestrais para o segundo e de modo que sirvam sucessivamente todos os juízes de cada secção» (artigo2.º, §4.º, do citado Decreto-Lei n.º23185). Compete a esta secção conhecer dos recursos interpostos das decisões dos tribunais do trabalho «que envolvam matéria de direito, nos termos do respectivo regulamento» (artigo10.º do mesmo Decreto-Lei n.º23185). Junto desta secção, o Secretário-Geral do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência exerce as funções de Ministério Público, e é substituído, nas faltas e impedimentos, pelo Inspector‑Geral de Previdência Social (artigo4.º, c), e §único, do referido Decreto‑Lei n.º23185).

A matéria da competência da Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social é nova no quadro das competências do Supremo Tribunal Administrativo e dos órgãos que o antecederam.

Com efeito, as questões de trabalho e as demais questões levantadas no domínio da chamada legislação operária eram até aí julgadas por três tipos de órgãos jurisdicionais: os tribunais de árbitros-avindores136, os tribunais arbitrais de previdência social e os tribunais de desastres no trabalho.

Os primeiros tribunais dependiam da Direcção-Geral do Trabalho e, com a extinção do Ministério do Trabalho, pelo Decreto n.º11267, de 25 de Novembro de 1925, passaram a depender do Instituto Social do Trabalho, criado por este diploma de 1925, no âmbito do Ministério do Interior. Como, porém, o Instituto Social do Trabalho nunca foi organizado na realidade, os tribunais de árbitros-avindores acabaram por ficar na dependência do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral que o Decreto n.º11267 havia integrado no Ministério das Finanças.

Quanto aos tribunais arbitrais de previdência social e aos tribunais de desastres no trabalho, desde a criação do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, pelo Decreto n.º5640, de 10 de Maio de 1919, dependem administrativamente deste Instituto.

O Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral foi restruturado pelo Decreto n.º11336, de 10 de Dezembro de 1925, passando a incluir a Direcção-Geral da Assistência, e, pelo Decreto n.º11993, de 30 de Julho de 1926, passou do âmbito do Ministério das Finanças para o Ministério do Interior. Mais tarde, pelo Decreto n.º22428, de 10 de Abril de 1933, seria integrado na Presidência do Conselho, ficando sob a superintendência do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social. Pouco tempo depois, porém, o Decreto-Lei n.º23053, de 23 de Setembro de 1933, extingue o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral. Em sua substituição, nasce o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Ao mesmo tempo, o mencionado Decreto-Lei n.º23053 extingue os tribunais de desastres no trabalho, os tribunais de árbitros‑avindores e os tribunais arbitrais de previdência social e, na dependência administrativa daquele Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, cria os tribunais do trabalho em todos os distritos do continente e no Funchal (artigo 44.º do Decreto-Lei n.º23053).

No exercício da função jurisdicional, os tribunais do trabalho funcionavam como órgãos independentes (artigo4.º do Decreto-Lei n.º23053) e, reforçando a garantia de independência, o artigo28.º do sempre citado Decreto-Lei n.º23053 dispunha que os juízes deviam julgar segundo a lei e a sua consciência, «inspirando-se no espírito de equidade e conciliação indispensáveis à paz social».

Ora, o artigo42.º do Decreto-Lei n.º23053 preceituava que «das decisões dos tribunais de trabalho que envolvam matéria de direito haverá recurso para a secção do contencioso do trabalho e previdência social do Supremo Conselho de Administração Pública». Simplesmente este Supremo Conselho não estava, à data da publicação do Decreto-Lei n.º23053, ou seja, em 23 de Setembro de 1933, dividido em secções, pelo que a mencionada secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social ainda não existia. Só um mês mais tarde seria criada, já não no âmbito do Supremo Conselho de Administração Pública mas no do Supremo Tribunal Administrativo, acabado de restaurar – artigo2.º do Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933.

E é assim que, na linha dos anteriores órgãos de julgamento da matéria contenciosa administrativa, mas com uma fisionomia original, dotado de três secções, o Supremo Tribunal Administrativo inicia as suas funções no ano em que entra também em vigor a Constituição de 1933.

Oito anos mais tarde, com as leis do Contencioso Aduaneiro – Decretos-Lei n.os31663 e 31664, de 22 de Novembro de 1941 – e a Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei n.º31665, de 22 de Novembro de 1941, é criada uma quarta secção naquele Supremo Tribunal, a Secção do Contencioso Aduaneiro – artigo1.º do Decreto-Lei n.º31663 e artigos179.º, §3.º e 180.º do Decreto-Lei n.º31665, ambos de 22 de Novembro de 1941. Esta nova secção resulta da extinção do Tribunal Superior do Contencioso Fiscal (artigo1.º do Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941) e era esperada desde o diploma que restabeleceu o Supremo Tribunal Administrativo – «É autorizado o Governo, pelo Ministro das Finanças, a integrar oportunamente no Supremo Tribunal Administrativo o Tribunal Superior do Contencioso Fiscal» (artigo20.º do Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933).

Não é esta área do contencioso nova no contexto das competências dos órgãos que antecederam o Supremo Tribunal Administrativo nascido em 1933.

Com efeito, para o Conselho de Estado se recorria das decisões das autoridades a quem pertencia a Administração da Fazenda Pública, organizada segundo o Decreto de 10 de Novembro de 1849, e, mais tarde, o Decreto de 3 de Novembro de 1860.

Quando, por Decreto de 1 de Julho de 1867, se aprova a organização do Ministério das Finanças, aquela competência mantém-se. O contencioso fiscal pertence aos «conselhos de direcções» (artigo41.º) e das suas decisões pode recorrer-se para o Conselho de Estado, nos termos do artigo31.º do Decreto de 9 de Janeiro de 1850, o mesmo acontecendo relativamente às decisões dos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda, em caso de incompetência e excesso de poder (artigos42.º e 43.º do Decreto de 1 de Julho de 1867). O Decreto de 14 de Abril de 1869 não altera esta organização e competências (artigo32.º).

Em 29 de Julho de 1886, é aprovada a nova organização do contencioso fiscal e são criados dois tribunais especiais em primeira instância, um no Porto e outro em Lisboa (artigo28.º), e um tribunal especial da segunda instância, junto da Administração-Geral das Alfândegas e Contribuições Indirectas (artigo51.º). Das suas decisões não se prevê qualquer recurso para o então existente Supremo Tribunal Administrativo.

A reorganização do contencioso fiscal pelo Decreto de 21 de Abril de 1892 e, posteriormente, pelo Decreto n.º2, de 27 de Setembro de 1894, irá configurar a fisionomia dos tribunais fiscais, de primeira e segunda instâncias, que se mantém até à Reforma Aduaneira de 1941. E é o tribunal da segunda instância, o Tribunal Superior do Contencioso Fiscal, que irá dar lugar à quarta Secção do Supremo Tribunal Administrativo.

O acréscimo de trabalho resultante da incorporação do contencioso aduaneiro no Supremo Tribunal Administrativo determinou a criação de mais dois lugares de juízes, um privativo da Secção do Contencioso Aduaneiro e outro da Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social, que ainda o não tinha (o Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941). A terceira e a quarta secções passam, assim, a ser constituídas pelo juiz privativo de cada uma e por dois juízes de outras secções (artigos2.º e7.º). Junto da Secção do Contencioso Aduaneiro e subordinado ao Ministro das Finanças exerce funções de representante da Fazenda Nacional o Director‑Geral das Alfândegas (artigo3.º).

Finalmente, e ainda quanto às Secções que compõem o Supremo Tribunal Administrativo, acrescente-se ter sido pensada a criação de uma quinta secção, desta feita ligada ao contencioso administrativo do Ultramar.

Num parecer da Câmara Corporativa, subscrito por Marcello Caetano, sobre o projecto de proposta de lei n.º 105, que previa a revisão do Acto Colonial e a integração das respectivas disposições no texto constitucional, foi levantado o problema da manutenção do Conselho do Império Colonial, tendo o autor sugerido, no caso de extinção deste órgão e perante a especialidade das leis ultramarinas, que a instância superior do contencioso administrativo ultramarino passasse a ser uma nova secção do Supremo Tribunal Administrativo, que seria a quinta secção. Fundamentadamente, porém, Marcello Caetano propôs a não extinção daquele órgão, concluindo embora estar o mesmo «condenado» a mudar de nome»137. Foi o que aconteceu com a base XIV da Lei Orgânica do Ultramar – Lei n.º2066, de 27 de Junho de 1953. Aí se preceitua ser o Conselho Ultramarino «oórgão permanente de consulta do Ministério do Ultramar em matéria de política e administração ultramarina», sendo a sua organização e funcionamento definidos no Decreto n.º39602, de 3 de Abril de 1954138.

Além de funcionar em secções, o Supremo Tribunal Administrativo funciona também, como já se disse, em Tribunal Pleno, constituído pelo presidente e por todos os juízes das secções (artigo12.º do Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933).

Recorre-se para o Tribunal Pleno dos acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso Administrativo sobre recursos interpostos dos actos do Governo e, bem assim, dos acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos, quando sejam desfavoráveis ao recorrente em valor superior a 100000$00 (artigo12.º, 1.º e 2.º, do referido Decreto-Lei n.º23185). A partir da criação da Secção do Contencioso Aduaneiro, passa também a poder recorrer-se dos acórdãos desta secção para o Tribunal Pleno, igualmente quando desfavoráveis ao recorrente em valor superior a 100000$00 (artigo5.º do Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941). Dos acórdãos da Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social não pode recorrer-se para o Tribunal Pleno.

Os acórdãos do Tribunal Pleno são proferidos por maioria absoluta de votos, na presença de, pelo menos, cinco vogais, incluindo o presidente, que tem voto de desempate – este número de vogais veio a ser fixado em sete com o aumento do número de juízes do Supremo Tribunal Administrativo pelo Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941.

A organização do Supremo Tribunal Administrativo obedeceu, em 1933, a três ideias nucleares. Em primeiro lugar, concentrar atribuições contenciosas dispersas por vários tribunais especiais, mantendo embora a inerente especialização das matérias e permitindo, através do recurso para o Tribunal Pleno, com fundamento em nulidade do processo ou do acórdão da secção, entendida em termos amplos, uma desejável uniformidade jurisprudencial. Em segundo lugar, atribuir àquele órgão, a exemplo do que já acontecia com o Tribunal Superior das Contribuições e Impostos, a categoria de um verdadeiro tribunal, mediante o reconhecimento de força executória às suas decisões. Em terceiro lugar, e finalmente, criar um mecanismo de defesa do interesse público presente nas suas decisões. Para isso, e de um lado, o legislador estabelece um presidente de livre nomeação do Governo, «intermediário entre o tribunal e o Poder»139 e um agente do Ministério Público junto de cada secção: na primeira, um magistrado da confiança do Governo e, nas outras duas, funcionários superiores da Administração Pública. De outro lado, o legislador recolhe o regime especial para a execução dos acórdãos previsto na lei processual do Supremo Conselho de Administração Pública, do qual resulta a continuação de uma particular

pag 99…

…pag 101

, os ilegais constitutivos de direitos que tiverem praticado (actos em matéria contenciosa), sendo desnecessário dirigirem-se ao tribunal administrativo para solicitar a sua anulação144. Deoutro lado ainda, fica aberto caminho para a modelação do regime jurídico administrativo da revogação dos actos constitutivos de direitos, com as cautelas de que este regime se reveste. Finalmente, tudo se prepara para o nascimento, com âmbito geral, do recurso hierárquico necessário e consequente exigência de um acto verticalmente «definitivo» como pressuposto processual145.

De tudo resulta começar a agigantar-se na justiça administrativa portuguesa o recurso de anulação de actos administrativos, em breve apresentado como «contencioso por natureza», em prejuízo de meios processuais de defesa autónoma de direitos subjectivos, tornados agora residuais, volvidos em «contencioso por atribuição» – acções no âmbito dos contratos administrativos e da responsabilidade extracontratual da Administração por actos de gestão pública. Da linha tradicional fica, porém, o reconhecimento, com âmbito geral, no contencioso local, da acção popular146, bem como o reconhecimento da acção pública, concebida para defesa do interesse geral da legalidade, a cargo dos agentes do Ministério Público (artigo821.º, n.º1 do Código Administrativo e artigo5.º do Decreto n.º18017) e dos Ministros (artigo31.º do Decreto n.º19243).

É neste enquadramento teórico que o Supremo Tribunal Administrativo e, em geral, a organização da justiça administrativa, composta, a partir de 1941, por somente duas auditorias – uma em Lisboa e outra no Porto– irá funcionar.

Referindo-se aos resultados da actividade dos tribunais, Marcello Caetano fazia votos, em 1937, de que a «jurisprudência administrativa» fosse «correcta, sensata e coerente», da qual se pudesse esperar «a submissão sistemática, por espírito de inteligente colaboração, da autoridade que age à autoridade que julga»147.

E sentindo que o ponto nevrálgico de uma justiça administrativa cujas decisões têm força própria reside no momento da execução das suas sentenças pelo poder executivo, o mesmo autor lembrava, em 1943: «O Estado impõe, nas relações entre particulares, os ditames, bons ou maus, dos seus juízes? Pois quando seja condenado pelos mesmos juízes dê o exemplo do acatamento e da submissão. De contrário, desprestigia e desacredita a justiça que é emanação da sua soberania e afirmação de um dos seus fins supremos»148.

Para acentuar o valor moral e doutrinário das decisões jurisdicionais, Marcello Caetano toma a seu cargo, de forma sistemática, o comentário aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. Louvando-os, criticando-os, dando-lhes o relevo de serem por si analisados e reflectidos, procura que as debilidades do regime jurídico da execução das sentenças, de que o Governo não quer abrir mão, sejam superadas pela autoridade efectiva da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Pouco mais de vinte anos depois de ser restaurado149, o Decreto-Lei n.º40768, de 8 de Setembro de 1956 – Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo –, completado pelo Decreto n.º41234, de 20 de Agosto de 1957 – Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo – vão dar ao órgão superior do contencioso administrativo português a configuração com que a Revolução de 25 de Abril de 1974 o conheceu.

6.2. Os anos da maturidade.

É formado por um presidente «nomeado livremente pelo Presidente do Conselho de entre doutores ou licenciados em Direito que hajam desempenhado altos cargos do Governo ou na administração pública» (artigo2.º) e por doze juízes, igualmente «nomeados pelo Presidente do Conselho de entre professores das Faculdades de Direito, magistrados judiciais ou do trabalho ou ajudantes do procurador-geral da República com mais de quinze anos de serviço nessas magistraturas e a classificação de muito bom, directores-gerais, secretários dos governos civis e auditores administrativos com mais de quinze anos de serviço, doutores em Direito com dez anos de serviço público e advogados com quinze anos, pelo menos, de exercício de advocacia, devendo em qualquer caso ter idade superior a 40 anos» (artigo3.º). Osadvogados que «sejam autores de trabalhos de reconhecido mérito sobre matéria respeitante à competência da secção a que sejam candidatos» poderão ver «reduzido o tempo de exercício da advocacia a dez anos» (§2.º do mesmo artigo3.º).

Ficou, assim, uniformizado o sistema de recrutamento dos juízes, que passou a ser igual para todas as secções151. Abre-se somente uma excepção para o preenchimento das vagas da Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos. Estas podem ser providas em juízes do Tribunal de segunda instância do Contencioso das Contribuições e Impostos que tenham cinco anos, pelo menos, de exercício nesse tribunal e em auditores fiscais com oito anos de exercício da função (§1.º do artigo3.º).

O presidente e os juízes do Supremo Tribunal Administrativo têm honras, direitos, categoria e vencimentos, respectivamente, do presidente e juízes do Supremo Tribunal de Justiça (artigo6.º). De entre os juízes do tribunal, o Presidente do Conselho designa trienalmente um vice-presidente (artigo12.º).

Como sucede com os magistrados judiciais, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo são independentes no exercício das suas funções, têm direito a ocupar o cargo em que são providos e, sem o seu acordo, não podem ser transferidos definitivamente para outra secção ou cargo. Disciplinarmente, porém, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo têm um estatuto privativo: são julgados por um conselho constituído pelo presidente do tribunal e pelo juiz mais antigo de cada uma das secções, e os respectivos acórdãos estão sujeitos a homologação do Presidente do Conselho (artigo4.º).

Funciona junto de cada uma das secções do tribunal um agente do Ministério Público: na primeira secção, é recrutado nos termos estabelecidos para os ajudantes do Procurador-Geral da República, e nomeado pelo Presidente do Conselho152; na segunda secção, o agente do Ministério Público é um adjunto do Director-Geral das Contribuições e Impostos; na terceira secção, um representante da Inspecção-Judiciária do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência153 e, na quarta secção, o Director-Geral das Alfândegas ou o seu substituto legal (artigo7.º, §§1.º, 2.º, 3.º e 4.º).

Funcionando como segunda instância, a Primeira Secção do Supremo Tribunal Administrativo conhece dos recursos interpostos das decisões dos auditores administrativos (artigo15.º, 2.º)154. Em primeira instância, a mesma secção conhece dos recursos interpostos dos actos definitivos e executórios dos Ministros, Secretários155 e Subsecretários de Estado ou tomados por sua delegação156, e dos órgãos dirigentes dos serviços personalizados do Estado dotados de autonomia administrativa (artigo15.º, 1.º). Conhece ainda dos conflitos de competência entre autoridades administrativas dependentes de vários Ministérios ou entre elas e os tribunais do contencioso administrativo e dos pedidos de revisão dos seus próprios acórdãos (artigo15.º, 3.º e 6.º).

A Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo prevê também que a primeira secção deste supremo tribunal conheça da inconstitucionalidade material de quaisquer diplomas legislativos e da inconstitucionalidade material, formal ou orgânica dos diplomas não promulgados pelo Presidente da República, sempre que seja suscitado o incidente da inconstitucionalidade. É, aliás, a primeira vez que tal se encontra expressamente previsto no âmbito do Supremo Tribunal Administrativo – a possibilidade de conhecer a inconstitucionalidade dos diplomas que aplicam é reconhecida aos tribunais comuns portugueses desde a Constituição de 1911 (artigo63.º). Por sua vez, ao Conselho Ultramarino fora reconhecida expressamente esta competência três anos antes – Lei n.º2066, de 27 de Junho de 1953 (Base LXVIII) e Decreto-Lei n.º39602, de 3 de Abril de 1954 (art.2.º, al. b)) – e, paradoxalmente, em termos mais amplos do que os resultantes da Lei Orgânica que ora se analisa, conjugada com o seu diploma complementar (artigo15.º, §4.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e artigo97.º do Regulamento, aprovado pelo Decreto n.º41234, de 20 de Agosto de 1957). Com efeito, enquanto naquele diploma se prevê que o Conselho Ultramarino possa, oficiosamente ou a pedido da parte, conhecer do incidente da inconstitucionalidade, já na Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo se dispõe somente que este conheça desse incidente quando suscitado.

A Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo preceitua ainda, na linha da competência já delineada nos diplomas de criação da secção contenciosa administrativa do Conselho de Estado, que a primeira secção pode decidir a «suspensão da executoriedade dos actos» directamente recorridos, quando requerida e se invoque prejuízo irreparável ou de difícil reparação157.

Questão de importância capital no quadro geral da Administração Pública é a que se regula no artigo 18.º da mencionada Lei Orgânica, enquanto reconhece às autoridades administrativas centrais e, logo, aos Ministros, competência para revogar (anular) os actos ilegais que tiverem praticado e que forem constitutivos de direitos (a tradicional «matéria contenciosa»)158 – a revogação (anulação) destes actos já estava estabelecida no Código Administrativo de 1936-1940 para as autoridades administrativas locais (artigos 83.º, 357.º e 411.º). A identificação do prazo de revogação-anulatória pela autoridade administrativa com o prazo de recurso contencioso de anulação passa a ser o único elo de ligação da matéria de lesão de direitos subjectivos pela Administração a um passado de séculos159.

Quanto à Segunda Secção do Supremo Tribunal Administrativo, compete-lhe conhecer dos recursos interpostos das decisões do Tribunal de segunda instância das Contribuições e Impostos, bem como conhecer em revisão dos julgamentos fiscais de que não tenha havido recurso ordinário ou extraordinário, quando se alegue terem as autoridades fiscais praticado no processo ou no julgamento alguma violência, preterição de formalidades essenciais, denegação de recurso contra expressa disposição de lei ou qualquer injustiça grave ou quando, sendo caso de recurso obrigatório, não tenha sido ordenada a subida do processo (artigo22.º, 1.º e 2.º). O artigo88.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto n.º41234, de 20 de Agosto de 1957, estabelece a forma do processo de revisão, determinando que os recursos são interpostos directamente na secretaria do Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de um ano a contar da data do acto praticado ou do julgamento ou do princípio da execução.

Quanto à Terceira Secção, conhece dos recursos interpostos das decisões dos tribunais do trabalho e dos conselhos superiores disciplinares dos organismos corporativos (artigo23.º).

Finalmente, à Secção Aduaneira (quarta secção) compete conhecer dos recursos interpostos das decisões proferidas em primeira instância nos processos fiscais, dos recursos das resoluções das autoridades encarregadas da fiscalização e cobrança dos rendimentos das alfândegas, quando tiverem por fundamento incompetência e excesso de poder, a não aplicação ou errada aplicação de qualquer disposição de direito aduaneiro, bem como a ofensa ou violação de direitos ou a preterição de formalidades essenciais do processo. Compete ainda conhecer em revisão dos julgamentos fiscais de que não tenha havido recurso ordinário ou extraordinário, quando se alegue terem as autoridades fiscais praticado no processo ou julgamento alguma violência, preterição de formalidades essenciais, denegação de recurso contra expressa disposição de lei ou qualquer injustiça grave ou quando, sendo caso de recurso obrigatório, não tenha sido ordenada a subida do processo. Por fim, compete conhecer dos conflitos de jurisdição e competência entre as autoridades fiscais (artigo 24.º).

A Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo não atribui, expressamente, competência à terceira secção para conhecer dos conflitos de competência entre os tribunais do trabalho, nem às terceira e quarta secções para procederem à revisão dos seus próprios acórdãos. É o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo que se encarrega de, no artigo 92.º, declarar aplicáveis as disposições dos artigos 82.º-85.º à resolução dos conflitos de competência entre os tribunais do trabalho e as do seu capítulo V à revisão dos acórdãos pelo próprio tribunal.

Além disso, a mesma lei orgânica não prevê que as segunda, terceira e quarta secções analisem a inconstitucionalidade dos diplomas que apliquem, pelo que essa possibilidade se restringe, nestas secções, à inconstitucionalidade material prevista no artigo 123.º da Constituição (cf. artigos25.º, §1.º, n.°3.º e 26.º, a) da referida Lei Orgânica).

Funcionando em Tribunal Pleno, compete ao Supremo Tribunal Administrativo julgar os recursos dos acórdãos proferidos pela primeira secção sobre recursos que para ela sejam directamente interpostos, salvo em matéria disciplinar, caso em que só se admite recurso quando a pena aplicada tiver sido uma das mencionadas nos n.os7 e seguintes do artigo11.° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis. O mesmo Tribunal conhece, desta vez sem qualquer restrição, dos recursos dos acórdãos das secções que tenham por fundamento a inconstitucionalidade dos diplomas legislativos ou quando haja resolução contraditória sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação com outra decisão proferida pela mesma ou por outra secção, nos últimos três anos (artigo25.º, §1.º, n.os3e4). OTribunal Pleno conhece ainda dos recursos de acórdãos proferidos pelas segunda, terceira e quarta secções, quando a decisão seja desfavorável ao recorrente em mais de 100000$00 ou, versando matéria disciplinar, quando a pena aplicada importar privação do exercício de actividade profissional por tempo superior a dois anos (artigo25.º, §1.º, n.°2).

O recurso para o Tribunal Pleno continua a ser considerado como recurso de revista, não sendo permitida a apreciação da prova.

Com a Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Pleno vê, de um lado, resolvidas as dúvidas que, dois anos antes, o Decreto‑Lei n.º39874, de 28 de Outubro de 1954, levantara e vê, de outro, alargada a sua competência160. Em relação às dúvidas, fica claro que a nulidade do acórdão da secção tem de ser logo arguida perante esta e só quando desatendida por acórdão pode ser alegada acessoriamente em recurso para o Tribunal Pleno (artigo26.º, §único). Em relação à ampliação, permite‑se agora, além do mais, o recurso de todos os acórdãos proferidos pela primeira secção sobre recursos para ela directamente interpostos, embora se restrinja essa competência na área disciplinar (artigo25.°, §1.°, n.°1).

Quanto ao recurso por contradição de julgados, a lei procura a uniformização da jurisprudência. O facto de não ter optado pelo sistema dos assentos, presente no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça, terá decerto ficado a dever-se a duas ordens de razões: de um lado, à própria natureza da lei administrativa, cuja capacidade evolutiva não pode ser tolhida; de outro, à incontestada aceitação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo por parte dos tribunais inferiores, o que nem sempre acontece com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça pelos numerosos tribunais de primeira e segunda instância que lhes estão subordinados 161.

A possibilidade de serem proferidos assentos irá ser prevista, no âmbito do contencioso administrativo, alguns anos mais tarde – Decreto-Lei n.º49145, de 25 de Julho de 1969 –, no quadro de um tribunal inominado– em reunião conjunta do Supremo Tribunal Administrativo e do plenário da secção do contencioso do Conselho Ultramarino, sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (artigo9.º). Este tribunal é competente para o julgamento dos recursos para uniformização de jurisprudência fundados em contradição de julgados dos dois tribunais 162, em relação à mesma questão fundamental de direito, proferidos nos últimos três anos e no domínio da mesma legislação (artigo9.º, n.º1). A «decisão proferida é publicada no Diário do Governo, primeira série, e nos Boletins Oficiais de todas as províncias ultramarinas, tendo a sua doutrina força obrigatória» (artigo9.º, n.º3).

Assim configurada, a organização da justiça administrativa portuguesa não fica completa. O seu fecho encontra-se no Tribunal dos Conflitos, cuja composição e competência se mantêm (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933), continuando o processo a ser disciplinado pelo Decreto n.º19243, de 16 de Janeiro de 1931.

A partir do Decreto-Lei n.º49145, de 25 de Julho de 1969, o Tribunal dos Conflitos passa a ser competente para «a resolução de conflitos que envolvam autoridades ou tribunais da metrópole e do ultramar não situados na mesma linha de jurisdição» (artigo8.º). A sua composição, neste caso, é outra, embora a presidência se mantenha no Presidente do Supremo Tribunal Administrativo. É agora formado por três juízes do Supremo Tribunal de Justiça, designados por sorteio, ou da secção do respectivo contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, consoante a jurisdição metropolitana em conflito, e três juízes da secção do contencioso do Conselho Ultramarino, igualmente designados por sorteio (artigo 8.º).

A organização da justiça administrativa acabada de descrever e, bem assim, a organização dos conflitos de jurisdição que demandou e na qual o Supremo Tribunal Administrativo ocupa lugar de relevo vão chegar até aos anos setenta do actual século XX praticamente inalteradas.

Um balanço da jurisprudência administrativa desta época e, em especial, da primeira secção do Supremo Tribunal Administrativo, mostra que as «duas conquistas» que, por seu intermédio, Marcello Caetano, ainda nos anos trinta 163, entendia que deviam ser feitas, na prática administrativa portuguesa, se atingiram. O respeito da legalidade e o respeito do caso julgado foram alcançados, apesar das reconhecidas debilidades do sistema de execução das sentenças, mantidas, em termos genéricos, pela Lei Orgânica do Supremo e respectivo diploma regulamentar 164.

Mas a organização da justiça administrativa delineada legislativamente sob a Constituição de 1933, aliada à alteração do conteúdo da «matéria contenciosa», produzida pelas leis da época, fizeram esquecer aquele que desde sempre fora o tema por excelência da justiça administrativa em Portugal: a sua atribuição a órgãos jurisdicionais integrados no poder executivo ou a tribunais comuns.

Efectivamente, da autoria de Marcello Caetano, as leis sobre a organização da justiça administrativa deste período reflectem o seu pensamento. Ora, para este autor, os tribunais administrativos «participam do exercício da função administrativa como órgãos de revisão da legalidade dos actos administrativos e da declaração da nulidade dos actos ilegais. Esses tribunais são órgãos administrativos de actuação jurisdicionalizada, por via de regra sem poder próprio de execução das suas sentenças, que está reservado aos órgãos da administração activa»165. Por isso a apreciação da legalidade dos actos administrativos aparece como «uma fiscalização interna que o Poder administrativo admite sem quebra da sua autoridade», porque «se os actos administrativos fossem susceptíveis de discussão nos tribunais judiciais, teríamos o Poder Judicial a intervir na Administração»166. Daí que, para si, os tribunais administrativos e, logo, o Supremo Tribunal Administrativo, sejam verdadeiros tribunais mas já não órgãos de soberania, como os tribunais comuns 167.

A concepção de Marcello Caetano sofreu, porém, a contestação de Carlos Moreira, Afonso Queiró e Rui Machete, para quem os tribunais administrativos e, logo, o Supremo Tribunal Administrativo, seriam tribunais especiais e, simultaneamente, no âmbito da Constituição de 1933, órgãos de soberania.

Mas, do ponto de vista histórico-evolutivo, ao abandonar a ligação da «matéria contenciosa» à lesão de direitos subjectivos, determinante da garantia jurisdicional, que inclusivamente inviabilizava a revogação de actos constitutivos de direitos ilegais pelas autoridades administrativas e as obrigava, por si ou por acção de agentes do Ministério Público, a ir a tribunal solicitar a sua anulação, a justiça administrativa perdeu a característica –ofensa de direitos subjectivos – que, paralela à justiça comum, desde sempre permitira à corrente tradicional defender o sistema dos tribunais judiciais para o julgamento da matéria contenciosa administrativa. Ao abrir‑se à ofensa de interesses, a justiça administrativa permitiu o desenvolvimento de um meio processual próprio, o recurso contencioso de anulação de actos administrativos, que a autonomiza da justiça comum e que, entretanto, se torna o meio contencioso administrativo por excelência.

Por outro lado, a rede de normas legais atributivas de competência administrativa e definidoras de procedimentos de actuação vai-se alargando e contribuindo para a formalização da actividade administrativa, transformando a realização dos interesses públicos em «execução» da lei através, fundamentalmente, de actos administrativos. A justiça administrativa tende a identificar-se com a protecção da lei e não já com a defesa de direitos subjectivos e o recurso de anulação de actos administrativos ilegais revela‑se o instrumento ideal para a protecção daquela.

É assim que, assente na simbiose lei/administração executiva/recurso de anulação de actos administrativos ilegais/tribunais administrativos, o sistema jurídico-administrativo português da época consegue reflectir a ideia de um Estado de Legalidade, um Estado de Direito Formal, no quadro de um regime definido como autoritário e antiparlamentar168.

Dirigido à tutela da lei, o recurso de anulação de actos administrativos configura um modelo objectivista de justiça administrativa. É mesmo considerado uma segunda fase de um processo administrativo único – «orecurso contencioso é… a continuação da fase graciosa do processo administrativo, tendente a permitir nova análise e nova decisão, por um órgão competente, da questão já anteriormente decidida»169.

A tese monista do processo administrativo sofreria um abalo com o acórdão do Conselho Ultramarino de 13 de Janeiro de 1961, segundo o qual o recurso de anulação, mais do que reparar a lei, visa proteger a posição jurídico-subjectiva dos particulares, possuindo, por isso, uma natureza distinta da que o processo gracioso detém.

Com argumentos distintos, Marcello Caetano e Rui Machete restabeleceram, na época, a tese monista – mesmo quando interposto por particular lesado num seu interesse, o recurso de anulação, afirma o primeiro autor, «apenas visa a declaração de invalidade de um acto jurídico, mas sem daí retirar as consequências que dêem efectiva satisfação ao interesse cuja reparação ou reposição o recorrente visa»170. Para o segundo autor, o processo contencioso possui «uma ligação íntima com o processo gracioso que o precede, quer quanto ao objecto do processo quer quanto à predeterminação necessária do recorrente»171 – o objecto do processo é a validade do acto administrativo e não a lesão de uma posição jurídica subjectiva no âmbito de uma relação jurídica material controvertida.

Pela via do regime jurídico da execução das sentenças, Diogo Freitas do Amaral procura introduzir, ainda nos anos sessenta, momentos subjectivos no sistema de justiça administrativa. Em seu entender, a justiça administrativa não pode «satisfazer-se com a mera anulação ou declaração de nulidade, que são puras abstracções jurídicas, antes tem de preocupar-se com a efectiva reintegração da ordem jurídica violada»172, e esta exige a reconstrução de uma situação hipotética: aquela em que o recorrente se encontraria se o acto ilegal, anulado pelo tribunal, não tivesse sido praticado173.

A proposta de Diogo Freitas do Amaral continha, porém, elementos de subversão do sistema jurídico-administrativo em vigor e não foi, na época, adoptada. Ela reclamava, por um lado, que se não considerasse a lei ao exclusivo serviço da realização dos fins do Estado. Uma vez em vigor, exigia que a mesma fosse pensada como estando também ao serviço dos particulares passíveis de serem lesados por actos administrativos ilegais, o que demandava uma conexão íntima entre a ilegalidade cometida pela Administração e a ofensa das posições jurídico-subjectivas dos particulares. Por outro lado, obrigava o Governo a ceder naquela que era a garantia última do sistema jurídico-político, autoritário e antiparlamentar: o regime de execução das sentenças dos tribunais administrativos. Conservado na sombra, este regime deixava no Governo a última palavra sobre a execução das sentenças – a forma que pode revestir, caso envolva prestação de facto (§3.º do artigo77.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo), o momento em que deve ter lugar, sendo por quantia certa (§4.º do artigo77.º do mesmo Regulamento) e, mesmo, a não execução, que se presumia ser por impossibilidade (§5.º do artigo77.º do citado Regulamento).

Quanto às acções sobre contratos administrativos e sobre responsabilidade extracontratual da Administração por actos de gestão pública – contencioso administrativo de natureza subjectiva –, a sua aceitação dependia de expressa consagração legal. Mas a utilização deste meio processual –aacção administrativa– pelos particulares foi sempre diminuta, até porque, por força do aludido regime de execução das sentenças, também aqui uma decisão jurisdicional favorável ao particular se podia transformar numa vitória de sabor amargo.

Quatro meses antes da Revolução de Abril, o Decreto-Lei n.º699/73, de 28 de Dezembro, introduziu algumas alterações orgânicas e funcionais no Supremo Tribunal Administrativo. As mais importantes dizem respeito, de um lado, ao número de juízes –«O Supremo Tribunal Administrativo é formado por um presidente e dezasseis juízes…» (artigo1.º, n.º1)– eàextinção de uma secção, a Secção Aduaneira, cujas matérias passam a ser julgadas pela segunda secção, do contencioso tributário, mantendo-se a separação das classes próprias dos recursos de contencioso das contribuições e impostos e dos recursos aduaneiros para efeitos de distribuição, processo, julgamento e publicação dos acórdãos (artigos1.º, n.os1e2, e5.º,n.°1). De outro, à composição do Tribunal Pleno, que tanto pode funcionar com todos os juízes que fazem parte do Supremo Tribunal Administrativo como pode funcionar com todos os juízes da secção onde foi proferido o acórdão recorrido, mais um juiz de cada uma das outras secções, sob a presidência do presidente do Tribunal (artigo2.º).

Com a instalação de um novo regime político, democrático e social, após a Revolução de Abril de 1974, vira-se uma página da história da justiça administrativa e da sua organização, consolidada com a entrada em vigor da Constituição de 1976, revista em 1982, 1989, 1992 e 1997.

130 Este o recrutamento somente dos juízes da Secção do Contencioso Administrativo.

131 Cf. artigos 59.º e ss.

132 Cf. artigo 108.º doDecreto n.º 19243, de16 de Janeiro de 1931

133 Sobre a história deste órgão, ver MARCELLO CAETANO, Do Conselho Ultramarino ao Conselho Colonial, Lisboa, 1943; «O Conselho Ultramarino/História eActualidade», in Arquivos da Universidade de Lisboa, Nova Série, n.º 2, 1961, pp. 153-179.

134 Cf. Parecer da Câmara Corporativa de que MARCELLO CAETANO foi relator, in Pareceres da Câmara Corporativa, ano1951, vol. I, pp. 25 e ss.

135 Cf. Preâmbulo do Decreto n.º16733, de 13 de Abril de 1929, onde se transcreve parte do relatório apresentado por aquela comissão em 1926.

136 O julgamento das questões sobre recenseamento e eleições dos colégios para a constituição dos tribunais dos árbitros-avindores foi, por força do Código Administrativo de 1896, atribuído ao Supremo Tribunal Administrativo, não ficando, neste caso, as suas decisões sujeitas a homologação governamental.

137 Pareceres…, p.62.

138 Mais tarde, o Conselho Ultramarino teria a sua lei orgânica no Decreto-Lei n.º49146, de 25 de Julho de 1969, conhecendo também um regimento, aprovado pelo Decreto n.º49147, da mesma data.

139 MARCELLO CAETANO, Manual…, Lisboa, 1937, p.593.

140 Manual …, 1937, p.657.

141 Até 1924, a resolução de conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e judiciárias estava entregue ao Supremo Tribunal Administrativo que não detinha competência jurisdicional própria. O Governo decidia, em última análise, aqueles conflitos entre o que podia entender-se como dois ramos do poder executivo: a administração e a justiça. Quando o contencioso administrativo foi entregue aos tribunais comuns, foi-lhes entregue também a resolução de tais conflitos. A lei que aprovou o Estatuto Judiciário, em 1929, reconheceu ao Supremo Tribunal de Justiça essa competência.

142 O Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º31095, de 31 de Dezembro de 1940, revogou expressamente o segundo dos Regulamentos aprovados pelo Decreto n.º19243, de 16 de Janeiro de 1931, que regulava o processo nas auditorias administrativas. Este processo passou a ser regido pelas disposições da Parte IV do novo Código Administrativo.

143 Ver MARCELLO CAETANO, Sobre o problema da legitimidade…, loc. cit., pp.31‑33.

144 Só com a Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo – Decreto‑Lei n.º40768, de 8 de Setembro de 1956 – se põe termo à possibilidade de os Ministros levarem «recurso das suas próprias decisões» «a bem da observância da lei e do interesse público do Estado», como se preceitua no artigo31.º do Decreto n.º19243, de 16 de Janeiro de 1931.

145 Até aqui o recurso hierárquico necessário depende de lei expressa atributiva de efeito suspensivo. Ver MARCELLO CAETANO, Manual…, 1937, pp.471‑472. Cf., depois, do mesmo autor, Tratado Elementar de Direito Administrativo, Lisboa, 1943, pp.280‑282.

146 A acção popular aparece no Código Administrativo de 1878, tendo tido no Decreto de 6 de Agosto de 1892 a modelação particular que a passaria a caracterizar, no âmbito da administração local, e que é desconhecida, com esta amplitude, em França.

147 Manual…, 1937, p.658.

148 Tratado Elementar…, p.377.

149 Nestes pouco mais de vinte anos, o diploma fundador teve somente alterações de pormenor – Decreto-Lei n.º24972, de 26 de Janeiro de 1935, Decreto-Lei n.º26009, de 4 de Novembro de 1935, Decreto-Lei n.º35078, de 29 de Outubro de 1945, Decreto-Lei n.º38517, de 20 de Novembro de 1951, Decreto-Lei n.º39604, de 9 de Abril de 1954 e Decreto-Lei n.º39874, de 28 de Outubro de 1954.

150 A denominada «Secção do Contencioso Aduaneiro» (artigo1.º do Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941) passa agora a chamar-se «Secção Aduaneira».

151 Na vigência do Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo eram nomeados pelo Governo de entre professores das Faculdades de Direito, magistrados judiciais da segunda instância ou do Supremo Tribunal de Justiça, directores-gerais, secretários-gerais dos Governos Civis e auditores administrativos com mais de dez anos de exercício do cargo e advogados com dez anos, pelo menos, de exercício de advocacia. Após a publicação do Decreto‑Lei n.º38517, de 20 de Novembro de 1951, a escolha ampliou-se a juízes da primeira instância com mais de dez anos de serviço e classificação de muito bom, e doutores em Direito com mais de dez anos de serviço público.

Quanto à Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos, ficou constituída pelos juízes do Tribunal Superior do Contencioso das Contribuições e Impostos, extinto em 1933, pelo Decreto n.°23185.

Quando a Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social passou a ter um juiz privativo, por força do Decreto-Lei n.º31663, de 22 de Novembro de 1941, este era recrutado de entre professores das Faculdades de Direito, juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, juízes dos Tribunais do Trabalho com mais de dez anos de serviço, secretários-gerais do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e doutores ou licenciados em Direito versados em direito corporativo.

Finalmente, quanto à Secção do Contencioso Aduaneiro, e por força do mesmo Decreto-Lei de 1941, o seu juiz privativo era de livre nomeação do Presidente do Conselho de entre professores da Faculdade de Direito, magistrados do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações, juízes auditores fiscais ou da segunda instância das contribuições e impostos e doutores ou licenciados em Direito de reconhecida idoneidade.

152 De acordo com o Decreto-Lei n.º39604, de 9 de Abril de 1954, que alterou, neste particular, o Decreto-Lei n.º23185, de 30 de Outubro de 1933, o agente do Ministério Público, que funciona junto da primeira secção, é «nomeado livremente pelo Presidente do Conselho de entre os professores de Ciências Políticas das Faculdades de Direito, doutores em Direito de reconhecida competência para o exercício do cargo, juízes de primeira e segunda instâncias, directores-gerais, auditores administrativos, secretários dos governos civis e advogados com dez anos, pelo menos, de exercício da advocacia» (artigo único).

A lei orgânica do Supremo Tribunal Administrativo remete agora o recrutamento do agente do Ministério Público da primeira secção para a forma de recrutamento dos ajudantes do Procurador‑Geral da República (artigo8.º do Decreto-Lei n.º35389, de 22 de Dezembro de 1945).

153 Por força do n.º1 do artigo63.º do Estatuto dos Tribunais do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º41745, de 21 de Julho de 1958, passou a ser um representante da Inspecção Superior dos Tribunais do Trabalho.

154 Nem todas as sentenças dos auditores são passíveis de recurso para a primeira secção do Supremo Tribunal Administrativo. Não há, por exemplo, recurso das decisões que julgarem o acto eleitoral das câmaras municipais e das proferidas sobre aprovação ou rejeição de listas para a eleição dos vogais das juntas de freguesia (artigo229.º, §4.º do Código Administrativo). Cf. ainda a situação prevista no artigo 109.º do Código Administrativo, alterado pelo Decreto-Lei n.º38343, de 19 de Julho de 1951.

155 Embora a lei não fale em Secretário de Estado, porque não existia na época, quando este órgão apareceu – Decreto-Lei n.º41824, de 13 de Agosto de 1958 – foi a sua actuação paralelizada à dos Ministros e Subsecretários de Estado, para efeitos contenciosos. O mesmo, aliás, veio a acontecer com as deliberações do Conselho da Revolução após o 25de Abril de 1974. Ver acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Maio de 1979, in Acórdãos Doutrinais, n.º215, pp. 973 e 974.

156 Antes da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo não se previa expressamente na lei o recurso de actos administrativos praticados pelo órgão delegado, o que levantava a dúvida sobre se tal seria possível.

157 O artigo 60.º do Regulamento da Lei Orgânica preceitua que a suspensão só é decretada se não houver grave dano para o interesse público.

O Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo prevê, pela primeira vez, a possibilidade de impugnar, por meio de embargos, a decisão que decrete a suspensão, com fundamento no dano que para a realização do interesse público pode resultar da suspensão da executoriedade do acto (§§1.º e 2.º do artigo60.º). A decisão sobre a suspensão mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo ao recurso.

158 Cf., entre outros, acórdãos da primeira secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 8-4-1938, de 26-5-1944 e de 7-7-1950, na Colecção, respectivamente, vol.IV, p.472, vol.X, p.299 e vol.XVI, p.446.

159 Actualmente, o regime jurídico da revogação dos actos administrativos e, logo, dos constitutivos de direitos, consta do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.°442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.°6/96, de 31 de Janeiro (artigos138.º e ss).

160 Esta fora restringida com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1939, ficando o fundamento do recurso reduzido à violação de lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação e às nulidades previstas nos artigos668.º e 717.º desse Código, quando alegadas acessoriamente e depois de ter sido proferido acórdão sobre a sua arguição (artigo722.º do mencionado Código). Com o Decreto-Lei n.º39874, de 28 de Outubro de 1954, o recurso foi de novo ampliado, passando a poder ter também por fundamento a violação de lei processual. Tratando-se de nulidades do acórdão recorrido, o Decreto-Lei n.º39874 tinha deixado a dúvida sobre se essas nulidades eram fundamento autónomo de recurso para o Tribunal Pleno ou se tinham de ser arguidas primeiro perante a secção.

161 Sobre esta justificação, ver MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Lisboa, 1972, p.1363.

162 O Conselho Ultramarino, regulado na Base LXV da Lei Orgânica do Ultramar, é configurado como Supremo Tribunal Administrativo do Ultramar, de acordo com a versão que lhe foi dada pela Lei n.º 5/72, de 23 de Junho.

163 Manual…, 1937, p.658.

164 O artigo 28.º da Lei Orgânica dispõe que os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo se tornam executórios logo que transitem em julgado e, salvo o caso de impossibilidade, grave prejuízo ou embaraço na execução, a inexecução deles, por parte de quem deva cumpri-los, quando a respectiva execução for requerida pelas partes interessadas, importa a pena de desobediência, sem prejuízo de qualquer outro procedimento especialmente fixado na lei. Cf. artigos76.º e 77.º do Regulamento.

165 Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6.ªed., Lisboa, 1972, p.668.

166 Manual de Direito Administrativo, 1973, vol.I, p.37.

167 Sobre a temática, RUI MACHETE, «Contencioso Administrativo», in Dicionário Jurídico de Administração Pública, vol.II, pp.775‑777 e DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol.IV, 1988, pp.99ess.

168 ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR qualificou o regime como «antidemocrático e antiliberal, autoritário e intervencionista». Apud MARCELO REBELO DE SOUSA, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, 1983, p.180, nota315. Marcelo Rebelo de Sousa fala ainda na «tradição antiliberal, antidemocrática, antiparlamentar e antipartidária… que se exprime na Constituição de 1933, juridificação de uma monocracia que perduraria até 1974», in Orgânica Judicial, Responsabilidade dos Juízes e Tribunal Constitucional, Lisboa, 1992, p.5.

169 MARCELLO CAETANO, «O interesse como condição de legitimidade no recurso directo de anulação», in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974, p.232. O acto administrativo aparece como o fecho de uma etapa processual desenvolvida no âmbito da «administração activa». A esta se pode seguir uma etapa contenciosa, subsequente à impugnação do acto por um particular afectado ou pelo Ministério Público. É a tese monista do processo administrativo.

170 Manual de Direito…, vol.II, 1972, p.1332.

171 «Contribuição para o estudo das relações entre o processo administrativo gracioso e o contencioso», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º85, 1969, p.204.

172 A execução das sentenças dos tribunais administrativos, Lisboa, 1967, p.311.

173 A execução…, pp.51‑52.