Capitulo 3

III. O Supremo Tribunal Administrativo, órgão consultivo do Governo em matéria contenciosa administrativa – uma vida em sobressalto

3.1. Certidão de Nascimento e primeiros anos de vida.

Separado formalmente do Conselho de Estado, que retoma a sua história de órgão de consulta política do Rei e seu Governo, o Supremo Tribunal não é alvo de uma reorganização estrutural, apesar do que o nome parece indiciar.

Em 11 de Junho de 1870, isto é, dois dias depois da criação do Supremo Tribunal Administrativo, foi estabelecido que este desempenhasse as «atribuições que, pela legislação anterior, competiam à Secção do Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, nos mesmos termos e pela mesma forma que estava determinado nos respectivos regulamentos» (artigo1.º). Afinal, do ponto de vista material, continua tudo como dantes: o Supremo Tribunal Administrativo mantém a competência consultiva detida pelo Conselho de Estado em matéria contenciosa e de violação de lei administrativa, bem como a competência contenciosa fiscal e aduaneira e de contencioso das contas. Ao Supremo Tribunal Administrativo não competem, porém, as tarefas consultivas em matéria de administração pura, detidas pela secção administrativa do antigo Conselho de Estado, que, como se viu, passaram para o Procurador Geral da Coroa e da Fazenda «em conferência com os seus ajudantes» (artigo 6.º do Decreto de 9 de Junho de 1870).

De novo o sistema jurídico-administrativo português, apesar da influência francesa, mantém uma linha evolutiva própria: ao contrário do Conseil d’État que, ao lado das funções consultivas de contencioso administrativo, possui funções consultivas em matéria de administração pura, o recém-criado órgão herdeiro do Conselho de Estado, o Supremo Tribunal Administrativo, é um órgão que se vai debruçar exclusivamente sobre questões contenciosas e, nessa medida, pode dizer-se que se apresenta como um verdadeiro tribunal.

Cinco anos mais tarde, a Lei de 1 de Abril de 1875 altera a nomeação e categoria dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo. Estes passam a ser sete efectivos, sendo um o Presidente, e dois suplentes. Junto do Supremo Tribunal Administrativo funcionam como Ministério Público dois ajudantes do Procurador Geral da Coroa e da Fazenda.

O diploma prevê que o tribunal possa funcionar com quatro membros presentes, mas para haver vencimento são necessários três votos conformes (artigo14.º). A exigência de um mínimo de conformidade de votos demonstra o desejo de conferir autoridade à consulta, mas não deixa de ser um travão ao pluralismo enriquecedor.

Anunciada em 1870, concretamente na determinação de 11 de Junho de 1870, a lei processual do Supremo Tribunal Administrativo só seria aprovada e entraria em vigor dezasseis anos mais tarde – Regulamento de 25 de Novembro de 1886. Durante este tempo, o tribunal vive de acordo com a lei processual de 1850, constante do Regulamento do Conselho de Estado.

Neste período, o Código Administrativo de Costa Cabral, em vigor desde 1842, é substituído, em 1878, pelo Código Administrativo de Rodrigues Sampaio.

Na discussão que precedeu a aprovação do Código registe-se a divulgação da tese republicana, já presente em Portugal, segundo a qual o julgamento do contencioso administrativo deve ser atribuído aos tribunais comuns80. Mas a discussão que, sobre o assunto, opôs Luciano de Castro a Rodrigues Sampaio parece ter sido a que maior eco obteve no novo Código81. O primeiro advogava a atribuição do julgamento do contencioso administrativo a tribunais especiais, com garantias de independência e de imparcialidade, em substituição dos Conselhos de Distrito do Código cabralino; o segundo defendia a conservação destes. Foi a última a solução que vingou. Os Conselhos de Distrito, órgãos de primeira instância do contencioso administrativo, continuam com a mesma presidência e número de vogais. Exige-se somente que dois destes sejam formados em Direito.

Das decisões dos Conselhos de Distrito continua a admitir-se recurso, desta vez para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 259.º).

A renovação da temática da organização da justiça administrativa na discussão do novo Código Administrativo teve o condão de chamar a atenção para as dificuldades resultantes da falta de imparcialidade de certas decisões do contencioso administrativo, em razão da necessidade de homologação governativa das consultas do Supremo Tribunal Administrativo, concretamente as decisões sobre a validade das eleições das comissões de recenseamento eleitoral. A referida necessidade de homologação dificultava a tomada de decisões desfavoráveis ao partido do Governo. Daí que a Lei de 8 de Maio de 1878 atribua, pela primeira vez no ordenamento jurídico‑administrativo português, força executória própria às decisões do Supremo Tribunal Administrativo, em matéria de validade das eleições das referidas comissões de recenseamento eleitoral (artigo17.°, §5.°).

Com o partido progressista no poder, o desejo de reforma do Código de 1878 e das leis sobre o «contencioso da administração» instala-se.

Em 1886, um novo Código Administrativo, aprovado pelo Governo de José Luciano de Castro, entra em vigor. A justiça administrativa de primeira instância sofre uma alteração através da substituição dos Conselhos de Distrito por tribunais administrativos distritais, formados por três juízes nomeados em comissão pelo Governo (Ministério do Reino), por três anos, de uma lista de candidatos à magistratura judicial apresentada pelo Ministro da Justiça (artigos 268.º e 269.º). Junto de cada tribunal, as funções do Ministério Público são desempenhadas por agente privativo nomeado de entre os delegados do procurador régio (artigo279.°).

Além de competência decisória em matéria contenciosa, os tribunais administrativos distritais continuam, porém, a ter competência consultiva em questões administrativas (artigo 287.º). Em 12 de Agosto de 1886, estes tribunais conhecem uma lei processual própria.

A ideia de entregar o contencioso administrativo aos tribunais comuns é de novo ventilada. Para o seu abandono invoca-se a necessidade de proteger a magistratura judicial das «ardentes controvérsias da política partidária» em que esta se veria envolvida se lhe fosse atribuído o julgamento do «contencioso administrativo»82, o que significa concluir por uma fundamental diferença entre o contencioso da administração e o comum. Apesar disso, e por força do artigo 23.º do Regulamento do processo perante os tribunais administrativos distritais, de 12 de Agosto de 1886, «a execução dos acórdãos proferidos pelo tribunal administrativo e a cobrança das multas por ele impostas» são «promovidas perante os tribunais ordinários, segundo as formalidades prescritas na lei de processo civil».

3.2. A atribuição de competência consultiva em matéria de administração pura ao Supremo Tribunal Administrativo.

Em 1886, o Supremo Tribunal Administrativo é remodelado – Decreto de 29 de Julho – e conhece a sua esperada lei processual – Regulamento de 25 de Novembro, legislação que assim se volve em complemento necessário do Código Administrativo, aprovado por Decreto de 17 de Julho do mesmo ano.

Da remodelação operada resultou a atribuição ao Supremo Tribunal Administrativo das competências consultivas em matéria de administração pura, competências que, em 1870, haviam sido entregues ao Procurador Geral da Coroa e seus ajudantes. No relatório que acompanha o diploma afirma-se que melhor seria «sem dúvida a organização do conselho de estado administrativo para aconselhar o governo na preparação das propostas de lei e regulamentos e na resolução das mais graves dificuldades da administração pública, como em França, na Itália e em Espanha, mas a essa organização» se opõe «a situação financeira do Estado», que determina «o dever de renunciar a todas as despesas que não sejam manifestamente indispensáveis».

Razões financeiras impõem, assim, ao Estado o aproveitamento do Supremo Tribunal Administrativo tal como estava constituído, atribuindo‑lhe funções consultivas em matéria administrativa (artigo5.º, §4.º do Decreto de 29 de Julho e artigos 109.º e ss. do Regulamento de 25 de Novembro), descaracterizando a sua faceta de tribunal e aproximando-o do Conseil d’État. E é ainda por razões financeiras que se reduzem os vogais efectivos do Conselho, mantendo-se o seu vencimento de 1.600$00 réis anuais, e se criam vogais extraordinários, sem direito a vencimento, para ajudarem no cumprimento das funções consultivas (artigo5.º, §1.º, do Decreto de 29 de Julho).

A nomeação de cada vogal efectivo do Supremo Tribunal Administrativo só pode recair em pessoas formadas em Direito, que tenham dado provas de reconhecida capacidade no exercício de cargos superiores do Estado, na longa e distinta prática de foro ou na publicação de obras sobre Administração Pública, cujo merecimento haja sido reconhecido pelo Governo. Os vogais extraordinários, os directores-gerais, bem como os governadores civis com mais de dez anos de serviço e os vogais dos tribunais do contencioso de primeira instância também com mais de dez anos de serviço têm preferência na nomeação83.

As funções de Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo são exercidas por dois ajudantes do Procurador Geral da Coroa e da Fazenda.

Como órgão consultivo em matéria de administração pura, o Supremo Tribunal emite parecer sobre regulamentos gerais da administração pública, propostas de lei e quaisquer questões que o Governo lhe submeter. Como órgão consultivo em matéria de contencioso administrativo, não só conhece dos recursos interpostos directamente de actos de autoridades administrativas como dos recursos dos acórdãos dos tribunais administrativos distritais, do Tribunal de Contas, neste caso somente por incompetência, transgressão de fórmulas ou violação de lei84, e dosrecursos dos conselhos de direcção do Ministério da Fazenda85,86. Conhece também dos conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e judiciais e dos conflitos de competências entre autoridades administrativas.

Por intermédio da lei processual constante do Regulamento de 25 de Novembro de 1886, foi expressamente consagrado o recurso directo dos actos administrativos ministeriais, criando-se um processo especial de julgamento: voto de todos os Conselheiros de Estado e exigência de cinco votos conformes (artigo 6.º, § único) – nos demais casos exigem-se somente três votos conformes.

Também pela primeira vez, a lei processual permite que o Supremo Tribunal Administrativo, na sua competência contenciosa, avoque processos «em razão de não terem os tribunais administrativos distritais proferido a sua decisão no prazo legal» (artigo 1.º, § 6.º), atribuindo-lhe, consequentemente, uma actividade de administração activa, que desvirtua a sua natureza de órgão passivo e independente. Esta competência acresce à que se traduz no conhecimento dos «protestos contra as demoras que houver no julgamento, instrução ou remessa dos processos perante os tribunais administrativos distritais» (artigo 1.º, § 5.º), competência igualmente longe das que tradicionalmente lhe eram reconhecidas.

O recurso interposto pelo Ministério Público – acção pública –, em defesa do interesse público e da lei, continua previsto e reconhece-se mesmo que, em caso de desistência do recurso interposto por particular, este se não extinga, se houver «motivo de interesse público que se oponha», caso em que o agente do Ministério Público fará prosseguir o recurso (artigo49.º).

Nos «recursos por incompetência e excesso de jurisdição», o tribunal «deliberará somente acerca deste ponto» (artigo45.º, §1.º), tudo indicando que, nos demais casos – matéria do contencioso administrativo –, o julgamento possa ser de plena jurisdição.

Continua, assim, clara a distinção entre o material contencioso e o gracioso ou de administração pura e o tertium genus de que se falou já, traduzido na violação da norma legal não acompanhada da lesão de um direito subjectivo.

As consultas do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de contencioso administrativo são submetidas depois a sanção régia e referendadas pelo ministro competente (artigo 43.º). Não se conformando com a consulta ou com os seus fundamentos, o Governo resolverá o assunto em Conselho de Ministros, ouvido o Procurador Geral da Coroa, mas tem de fundamentar as razões da sua divergência (artigo 43.º, § 1.º).

É a primeira vez que o ordenamento jurídico português se confronta com o problema da não aceitação de uma consulta do Supremo Tribunal Administrativo e a solução que consagra atinge duramente a autoridade deste órgão, que fica colocado nas mãos do Rei e seu Governo.

O Supremo Tribunal Administrativo sai da reformulação de 1886, e tendo presente as normas processuais aprovadas neste mesmo ano, enfraquecido em poder e desvirtuado em funções.

3.3 O Supremo Tribunal Administrativo, órgão de recurso das decisões dos tribunais judiciais em matéria contenciosa administrativa.

A organização da justiça administrativa constante do Código de 1886, tendo por base tribunais colectivos – tribunais administrativos distritais –, é dispendiosa e o país não a pode suportar.

Com José Dias Ferreira no poder é aprovado o Decreto de 21 de Abril de 1892, que põe termo a estes tribunais. É «excessivo o número de julgadores e é mister reduzi-lo», afirma-se no relatório do Decreto, avançando‑se não ser comportável para as despesas públicas os sessenta e três juízes que exercem funções naqueles tribunais.

E o Decreto de Dias Ferreira vai mais longe. A competência destes tribunais é entregue aos tribunais judiciais porque a Fazenda Pública não permite «a conservação de juízes privativos».

A especialização do contencioso administrativo perante o comum e a independência do poder judicial, razões invocadas para a organização separada dos tribunais administrativos, são facilmente ultrapassadas. Quanto à especialização de funções, «mal se pode compreender que os juízes de direito, que nos cursos universitários são obrigados a frequentar os estudos administrativos, ignorem que nos actos de administração pública prepondera a característica do interesse público e não o direito estrito»87. Quanto à independência da Administração Pública, considera-se que está suficientemente salvaguardada se se conservarem as garantias das autoridades dependentes do poder central e se se mantiver o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, com a configuração e funções que detém.

A reforma de Dias Ferreira consagra, assim, um modelo de organização da justiça administrativa misto: os tribunais administrativos distritais são extintos e a sua competência, com excepção da consultiva e da respeitante ao julgamento das contas dos corpos administrativos, estabelecimentos e corporações88, é entregue aos juízes de comarca respectivos. Anível processual, no entanto, continuam a seguir-se no contencioso da administração as normas do Código Administrativo e da lei processual de 12de Agosto de 1886. Das decisões finais dos juízes de comarca em matéria de contencioso administrativo pode recorrer-se para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 14.º do Decreto de 21 de Abril de 1892), órgão que se mantém submetido ao Regulamento de 25 de Novembro de 1886.

Num ponto importante, porém, o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo de 1886 é alterado. Por força do artigo15.º, §único do Decreto de Dias Ferreira, é dispensada a homologação governamental para as decisões sobre a suspensão de eficácia dos actos recorridos.

A competência decisória do Supremo Tribunal Administrativo amplia‑se89.

Um ano antes, em 1891, e a pedido do partido republicano, José Jacinto Nunes havia elaborado um projecto de Código Administrativo que viria a publicar em 189490, sem que alguma vez fosse discutido. A ideia que preside ao projecto, que enuncia no prefácio, é a de que «importa voltar à tradição nacional, confiando exclusivamente aos mandatários directos das localidades a administração dos seus negócios especiais e subordinando-os à acção repressiva dos tribunais comuns». Por fundadas razões teóricas e não por razões de natureza financeira, defende-se a atribuição do contencioso administrativo aos tribunais comuns.

A reforma de Dias Ferreira não durou mais de três anos.

3.4 O Supremo Tribunal Administrativo, de novo órgão de cúpula dos tribunais administrativos.

Com efeito, com Hintze Ribeiro à frente do Governo e João Franco Ministro do Reino, Portugal vê ditatorialmente decretado um novo Código Administrativo, em 2 de Março de 1895, revisto e alterado em Cortes e aprovado pelo Rei em 4 de Maio de 1896. De natureza centralizadora, o novo Código Administrativo põe termo ao modelo de organização mista da justiça administrativa e inicia um novo modelo que irá estar presente nos derradeiros anos da monarquia e nos primeiros da república – até 1924.

Com um interregno de duas semanas, em 1900, no qual se retoma o modelo misto da reforma de Dias Ferreira91, o período que vai de 1895 a 1924 conhece um complexo modelo organizatório de justiça administrativa. A nível local, a competência é partilhada por três órgãos distintos (artigo307.º do Código de João Franco): juízes de direito, comissões distritais e tribunais singulares administrativos, em cada distrito, com um auditor administrativo, nomeado pelo Ministério do Reino, junto de quem trabalha um agente do Ministério Público – auditorias administrativas. A nível central, encontra-se o Supremo Tribunal Administrativo, para quem se recorre das decisões dos órgãos locais de justiça administrativa e das autoridades administrativas centrais, nomeadamente dos Ministros.

Quanto às vagas que se derem no Supremo Tribunal Administrativo serão por metade providas em auditores de primeira classe com, pelo menos, doze anos de serviço nesta magistratura (artigo 312.º do mesmo Código).

Do ponto de vista da justiça material, o Código Administrativo de João Franco restringe drasticamente a possibilidade de recurso de actos ministeriais para o Supremo Tribunal Administrativo. Este só conhece «dos actos e despachos do Governo, mas exclusivamente nos recursos dos oficiais do exército, da armada e do ultramar ou empregados civis com graduação militar que se julgarem ilegalmente preteridos em posto ou antiguidade; nos interpostos contra a concessão de patentes de introdução de novas indústrias e nos expressamente estabelecidos em leis especiais» (n.º 6 do artigo 352.°).

Simultaneamente, a competência decisória do Supremo Tribunal Administrativo é ampliada. Deixam, nomeadamente, de exigir homologação os julgamentos sobre eleições dos corpos e corporações administrativos, sobre contribuições gerais do Estado, sobre impostos municipais e sobre concessão de patentes de introdução de novas indústrias (artigo 354.º)92.

Pode dizer-se que, em matéria de contencioso fiscal, o Supremo Tribunal Administrativo adquire, com o Código Administrativo de João Franco, competência própria – tenha-se presente que o julgamento, em primeira instância, das questões relativas a contribuições do Estado e a lançamento, repartição e cobrança dos impostos municipais pertence aos juízes de direito (artigo 324.º).

As decisões não mencionadas no artigo 354.º do Código estão sujeitas a homologação governamental. Mas, se o Governo se não conforma com a consulta, «resolverá o assunto por meio de decreto enviado ao tribunal em que se exponham claramente os motivos da divergência e as razões de decidir» (artigo 355.º).

Quanto aos efeitos do recurso contencioso, o mesmo Código Administrativo continua a consagrar o princípio da não suspensão, podendo, no entanto, o tribunal suspender a execução do acto recorrido, a pedido das partes, se da execução resultar «prejuízo irreparável ou de difícil reparação» (artigo 337.º).

De assinalar neste período, a Lei de 3 de Setembro de 1897 que, ao regular o recurso das decisões da Junta de Crédito Público, prevê que este possa ser para o Governo no caso de lesão de interesses; para o Governo e deste para o Supremo Tribunal Administrativo, nos casos de violação de lei ou regulamento administrativo; para os tribunais comuns, nos casos de incerteza quanto à propriedade e posse de títulos (artigo 35.°)93.

Ainda em monarquia, em 27 de Julho de 1901, é aprovado um novo regulamento processual para os auditores e, em 9 de Setembro de 1908, a lei orçamental introduz uma importante alteração no Código Administrativo em vigor: admite-se, de novo em termos amplos, o recurso dos actos ministeriais em matéria contenciosa para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 89.º – três).

É neste quadro normativo que o Supremo Tribunal Administrativo assiste à proclamação da República, em 5 de Outubro de 1910.

A alteração fundamental da forma política estadual não se coadunava com a forte centralização do Código Administrativo de 1896. Em 13 de Outubro de 1910, o Decreto com força de Lei repunha em vigor o Código Administrativo de 1896. Em 13 de Outubro de 1910, o Decreto com força de Lei repunha em vigor o Código Administrativo de 1878, até que fosse aprovado um Código «elaborado de harmonia com o regime e os proincípios republicanos».

Poucos dias depois, em 25 de Outubro, é nomeada, por decreto, uma comissão para elaborar esse código de sua autoria, como se referiu, o qual serve de base à tarefa desta comissão. No ano seguinte, em 15 de Agosto, António José de Almeida, então Ministro do Interior, apresenta à Assembleia Nacional Constituinte uma proposta de lei contendo o projecto de Código Administrativo.

A partir daqui, a proposta segue um périplo longo, por várias sessões parlamentares: as discussões são muitas – o consenso obtém-se somente em redor do regresso à «tradição municipalista», na defesa da descentralização administrativa – e as alterações à proposta também. Na Assembleia Nacional Constituinte, José Jacinto Nunes advoga a consagração constitucional da atribuição aos tribunais comuns do contencioso administrativo 94        Mas a Constituição, aprovada em sessão de 21 de Agosto de 1911, limita-se a falar em «tribunais do contencioso» (artigo 66.º, 2.º), fórmula ambígua que permite leituras contraditórias 95 . Por sua vez, o artigo 85.º da Constituição determina que o primeiro Congresso da República elabore o Código Administrativo, entre outras leis. Porém, só em 6 de Junho de 1913 é aprovado o projecto pela Câmara dos Deputados, e nele não obteve vencimento e extinção do Supremo Tribunal Administrativo e a criação da Secção do Contencioso Administrativo no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça .

Por sua vez, o Tribunal de Contas, considerado organismo fiscalizador «improfícuo» 96,  é extinto em 11 de Abril de 1911, dando lugar ao Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, cujo regimento data de 17 de Agosto de 1915 – Decreto n.º 1831. O objectivo de «entrar de vez no caminho democrático da descentralização dos serviços, o qual se obtém pela representação das classes e dos interesses nacionais no corpo superior a que se confiam as funções do antigo Tribunal» 97 , obrigou a uma profunda alteração orgânica e competencial. As decisões do recém-criado Conselho Superior da Administração Financeira do Estado deixam de ser alvo de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Mas, havendo recusa de visto, permite-se que os Ministros de Estado, «assumindo inteira responsabilidade», mantenham «esses actos por meio de declaração publicada no Diário do Governo» (artigo 12.º do Decreto com força de Lei de 11 de Abril de 1911). O Conselho Superior da Administração Financeira do Estado não tem aqui natureza jurisdicional.

Quando, pelo Decreto n.º 5525, de 8 de Maio de 1919, o Conselho Superior de Finanças vem substituir o Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, continua a não se prever recurso das suas decisões para o Supremo Tribunal Administrativo. Quanto à recusa de visto, continuam também os ministros a poder manter os actos, desde que assumam «inteira responsabilidade» e façam publicar no Diário do Governo «declaração fundamentada» (artigo 19.º).

A reconstituição do Tribunal de Contas pelo Decreto n.º 18 962, de 25 de Outubro de 1930, sendo Oliveira Salazar Ministro das Finanças, para quem passaram os serviços do Conselho Superior de Finanças, bem como a sua reforma pelo Decreto n. 22 257, de 25 de Fevereiro de 1933, não retoma o princípio do período monárquico do recurso das suas decisões para o Supremo Tribunal Administrativo. Porém, o princípio de que o Governo se pode sobrepor às decisões de recusa de visto do Tribunal de Contas mantém-se.

Em suma, com a República e, em particular, com a criação do Conselho Superior da administração Financeira do Estado, extingue-se o recurso das decisões do Tribunal de Contas para a Secção Administrativa do Conselho de Estado, mais tarde Supremo Tribunal Administrativo, havendo violação de lei ou «preterição de formalidades essenciais» (artigo 21.º, § 2.º do Decreto de 10 de Novembro de 1849).

Quando, em 6 de Junho de 1913, a Câmara de Deputados aprova o projecto de Código Administrativo já havia, assim, terminado a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal de Contas para o Supremo Tribunal Administrativo.

O projecto de Código, com trezentos e cinquenta e três artigos, dá entrada no Senado em 11 de Junho, sendo entregue, para parecer, à comissão especial do Código Administrativo, que o apresentou logo em 16 do mesmo mês. No parecer reflectem-se preocupações de ordem vária, relacionadas com certas inovações, mas fundamentalmente com o facto de, estando a sessão legislativa prestes a finalizar, se entender que não era viável a discussão e votação de todo o Código, pelo que a solução proposta é a de votar somente uma parte do projecto.

Que parte poderia, no entanto, sem grandes discussões, ser aprovada? A Comissão, que ouviu Afonso Costa, Presidente do Ministério, propõe a aprovação «tais como vieram da Câmara dos Deputados, para serem imediatamente convertidos em lei, dos títulos II a X, inclusive, XII, XVII e XVIII do projecto do Código Administrativo»98.

A proposta, acrescida de um artigo onde se diz que a lei regula a organização, funcionamento, atribuições e competência dos corpos administrativos, foi aprovada na sessão de 20 de Junho de 1913 e dá lugar à conhecida Lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913. Dela não faz parte o título XV, sobre a organização do contencioso administrativo, constante da proposta apresentada pela Câmara dos Deputados.

A organização do contencioso administrativo, prevista no Código Administrativo de 1896, de João Franco, mantém-se e, com ela, o Supremo Tribunal Administrativo, com as atribuições e competências do período monárquico – salvo, como se viu já, a competência do julgamento do recurso das decisões do Tribunal de Contas.

De imediato uma interessante polémica se eleva, resultante da interpretação do artigo 63.º da Constituição99.

Na verdade, o referido artigo 63.º consagra o princípio da fiscalização judicial da constitucionalidade das leis. E consagra-o do seguinte modo: «O Poder Judicial, desde que, nos feitos submetidos a julgamento, qualquer das partes impugnar a validade da lei ou dos diplomas emanados do Poder Executivo ou das corporações com autoridade pública, que tiverem sido invocados, apreciará a sua legitimidade constitucional ou conformidade com a Constituição e princípios nela consagrados».

Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se os tribunais administrativos, e, logo, também o Supremo Tribunal Administrativo, podem apreciar a constitucionalidade das leis. A resposta dada à questão foi negativa, tendo em conta a organização do contencioso administrativo que vem do período monárquico, integrado no poder executivo, organização que a Lei n.º88 não altera, e o facto de as resoluções do Supremo Tribunal Administrativo, salvo raras excepções, já analisadas, não terem força executória própria, exigindo a prévia homologação ministerial. Domingos Fézas Vital insurge-se contra a homologação ministerial das resoluções do Supremo Tribunal Administrativo e invoca mesmo a inconstitucionalidade da norma que a determina, por violação do n.º2 do artigo66.º da Constituição, enquanto atribui o julgamento do contencioso administrativo a «tribunais». A verdade, porém, é que o ordenamento jurídico se mantém por longo tempo intocado neste particular.

Em plena primeira República, o Supremo Tribunal Administrativo está desprovido de jurisdição própria, tendo as suas decisões valor de mera consulta. A summa jurisdictio é detida pelo Governo100.

A situação que se descreve é tanto mais anómala quanto é certo que competências recém-retiradas àquele tribunal e entregues a outros órgãos deixaram de exigir a homologação governamental. É o caso dos recursos do Tribunal de Contas, após a criação do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, órgão «independente do poder executivo no desempenho das suas atribuições» (artigo 6.º do Decreto com força de Lei de 11 de Abril de 1911), cujo regimento confirma que «o Conselho exerce sobre as pessoas e assuntos da sua competência jurisdição própria e privativa e os seus acórdãos têm o carácter e efeitos das decisões dos tribunais de justiça» (artigo12.º do Regimento de 17 de Agosto de 1915). E é o caso também da competência respeitante aos «recursos que dos actos e decisões do governador geral, de província ou de distrito autónomo se interpuserem» (artigo1.º, n.°1, do Decreto de 2 de Setembro de 1901), transferida do Supremo Tribunal Administrativo para o recém-criado Conselho Colonial (artigo 40.º, n.º2, do Decreto com força de Lei de 27 de Maio de 1911), dispondo o n.º3 do artigo 40.º desse mesmo Decreto de 1911 que «as decisões do Conselho Colonial sobre estes recursos são definitivas».

Em suma, as competências do Conselho Superior da Administração Financeira, futuro Tribunal de Contas, e do Conselho Colonial, antes detidas pelo Supremo Tribunal Administrativo, são exercidas por estes Conselhos sem intervenção governamental, ao passo que a competência em matéria contenciosa administrativa do Supremo Tribunal Administrativo continua, salvo excepções, consultiva, exigindo homologação do Governo.

É certo que o projecto do Código Administrativo apresentado à Assembleia Nacional Constituinte em Agosto de 1911 determinava que «as decisões dos tribunais administrativos passadas em julgado têm força de sentença em todo o território da República» (artigo 225.º) e certo é também que, na altura, a discussão residiu somente em saber se se manteria o Supremo Tribunal Administrativo ou se se deveria criar como instância superior do contencioso administrativo uma secção própria no Supremo Tribunal de Justiça. Por outro lado, o projecto aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado para o Senado mantinha o Supremo Tribunal Administrativo e continha, por iniciativa do deputado Barbosa de Magalhães, uma norma com o seguinte teor: «Desde que começar a vigorar este Código, nenhuma decisão do Supremo Tribunal Administrativo dependerá de homologação do Governo». Mas, na prática, o Supremo Tribunal Administrativo continuava destituído de competência própria.

Já se viu que só por razões circunstanciais o Senado não aprovou integralmente o projecto e, em concreto, não aprovou o capítulo respeitante ao contencioso administrativo.

Quanto à intenção, assumida em Junho de 1913 pelo Senado, de repensar o conteúdo da recém-aprovada Lei n.º88 e continuar a analisar a parte do projecto de Código Administrativo que ficou por aprovar, só começa a concretizar-se em Março de 1914 e salda-se em longas discussões que dão lugar a muitas alterações do projecto inicial – que, contudo, não tocam a jurisdição própria do Supremo Tribunal Administrativo – e a um novo projecto autónomo do Senado. Este último é rejeitado pela Câmara dos Deputados, na sessão de 10 de Maio de 1916. Quanto ao primeiro, é aprovado em 13 de Maio, convertendo-se na Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916.

Mas não é ainda a Lei n.º 621 que altera a organização da justiça administrativa e atribui jurisdição própria ao Supremo Tribunal Administrativo, apesar de ter um interesse muito especial para a justiça administrativa, o qual reside no facto de ter suscitado a polémica da legitimidade dos particulares para recorrer contenciosamente. Ao referir que «a falta da reclamação… não inibe o interessado de fazer a sua reclamação para o contencioso administrativo» (artigo21.°), parece afastar o direito tradicional que exigia a lesão de um direito subjectivo para que as portas do tribunal se abrissem.

Pinto Barriga e Domingos Fézas Vital pronunciam-se no sentido de, com a Lei n.º621, se ter ampliado o recurso aos titulares de um «interesse directo, pessoal e legítimo»101, mas João Maria Tello de Magalhães Collaço e, mais tarde, Marcello Caetano entendem que a expressão não envolve verdadeira alteração da configuração jurídica da legitimidade activa102. Oproblema da abertura do recurso a particulares não afectados num direito subjectivo estava, no entanto, delineado103.

Entretanto, sucedem-se, sem êxito, as comissões encarregadas da elaboração de um Código Administrativo104.

Neste contexto evolutivo, o Supremo Tribunal Administrativo atravessa um período negro da sua história: no ano de 1915, não são homologadas trinta e duas resoluções e, em 1916, não são homologadas vinte e seis resoluções105.

Do ponto de vista doutrinário, de há muito que se defende a atribuição do contencioso administrativo ao poder judicial.

Assim, António Lopes Guimarães Pedrosa, regente na Universidade de Coimbra do curso de Ciência da Administração e Direito Administrativo, criado pelo Decreto n.º 4, de 24 de Dezembro de 1901, escreve, em 1904‑1905, o texto das suas lições, que reformula em 1908, aí defendendo a atribuição do contencioso administrativo a órgãos do poder judicial, embora especiais, os tribunais administrativos. Em seu entender, a falta de homogeneidade das matérias sujeitas a julgamento dos tribunais judiciais é mostra evidente de que se lhes pode entregar o contencioso da Administração. E não se receie que o julgamento deste pelo poder judicial conduz à subordinação da Administração ao judicial porque isso esquece que os juízes julgam de acordo com a lei «sem suspeita de parcialidade» por não serem directamente interessados106. E acrescenta que o contrário viola o princípio da independência de poderes, acarretando a subordinação do judicial ao executivo, pois neste caso este empreende tarefas pertencentes àquele.

Também José Ferreira Marnoco e Sousa defende a atribuição do contencioso administrativo a tribunais especiais, integrados no poder judicial. «Os tribunais não podem deixar de ter competência para verificar a legalidade dos actos do poder executivo», afirma, acrescentando que a «fiscalização parlamentar sobre o poder executivo não é incompatível com a fiscalização judiciária… os tribunais não podem deixar de exercer essa fiscalização, sob pena de se tornarem instrumentos cegos nas mãos do poder executivo». E «nem se diga que, deste modo, o poder judicial seria uma ameaça constante para a vida do poder executivo, pois o poder executivo não tem direito a viver fora da Constituição»107.

Por sua vez, o processualista José Alberto dos Reis advoga também a atribuição do contencioso da administração ao poder judicial, embora não especifique se tal traduz a criação de tribunais especiais. «A doutrina inclina‑se hoje, acentuadamente, no sentido de que os órgãos judiciários é que devem desempenhar a função de reintegração dos direitos violados por actos administrativos. E, com efeito, essa atribuição entra na esfera legítima do poder judicial. Desde que se trate de interpretação e aplicação de leis e não da simples apreciação de interesses, só o poder judicial tem competência para decidir. O contencioso administrativo implica um verdadeiro julgamento, precisamente idêntico ao que implica o contencioso civil, comercial, fiscal…»108.

Concepção idêntica parece ter Alberto da Rocha Saraiva, de acordo com o conhecimento que nos chega das suas lições, coligidas por alunos109.

O mesmo se diga de João Maria Tello de Magalhães Collaço, enquanto advoga a atribuição do contencioso administrativo a tribunais especiais integrados no poder judicial, porque só assim se pode pôr cobro à «indecência» de não poderem os «tribunais administrativos», à época existentes, ajuizar a constitucionalidade da lei que aplicam, atento o disposto no artigo 63.º da Constituição de 1911, sem violar a mesma Constituição, enquanto distingue os tribunais comuns dos administrativos110.

Refira-se, ainda nesta linha de pensamento, Barbosa de Magalhães, para quem a atribuição do contencioso da administração a tribunais especiais que não integrem o poder judicial «constitui infracção do princípio da separação de poderes»111.

É neste ambiente teórico e com uma abertura política favorável à atribuição ao poder judicial do contencioso administrativo, patente desde a proclamação da República, que, em 1924, pelo Decreto n.º 9340, de 7de Janeiro, são extintas as auditorias administrativas, criadas pelo Código de 1896, nesta parte ainda em vigor, bem como o Supremo Tribunal Administrativo112. As competências de julgamento destes órgãos passam para os tribunais comuns.

A justificação para esta transferência de competências não é, porém, prioritariamente de natureza teórica e sim financeira. O «desejo de obter grande economia para o Estado» é a causa próxima da reforma aprovada pelo Decreto n.º 9340, de 7 de Janeiro de 1924113.

Notas:

80 Cf. José Jacinto Nunes, Reivindicações Democráticas, Lisboa, 1886.

81 Veja-se a transcrição das afirmações de Luciano de Castro e de Rodrigues Sampaio, na Revista de Direito Administrativo, 1878, tomoI, pp. 270 e ss.

82 José Jacinto Nunes, Reivindicações…, p.17. Cf. relatório que acompanha o Código Administrativo de 1886.

83 Ver artigo 3.º e §1.º do Decreto de 29 de Julho.

84 O Tribunal de Contas viu também o seu regimento reformulado por Decreto de 30 de Agosto de 1886. As suas funções são ampliadas, passando a corresponder‑lhe duas categorias: Tribunal de Justiça Administrativa e Tribunal Fiscal das Leis Financeiras do Estado. Neste regimento se prevê, no artigo 74.º, que dos «acórdãos definitivos do tribunal há recurso para o mesmo tribunal ou para o supremo tribunal administrativo».

85 Cf., no seguimento do Decreto de 10 de Novembro de 1849, e do artigo 31.º do Decreto de 9 de Janeiro de 1850, o Decreto de 1 de Julho de 1867 –artigos 41.º‑43.º– e o Decreto de 14 de Abril de 1869 – artigos 30.º-34.º.

86 Em 29 de Julho de 1886 é reorganizado o contencioso fiscal – dos contrabandos, descaminhos e transgressões dos regulamentos fiscais –, prevendo-se duas instâncias – tribunais deprimeira e segunda instância do contencioso fiscal.

87 Relatório do Decreto de 21 de Abril de 1892.

88 Cf. art.7.º do Decreto de 21 de Abril de 1892.

89 Sobre a ampliação da competência decisória deste tribunal, João Maria Tello de Magalhães Collaço, «O Supremo Tribunal Administrativo e o poder executivo», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, anoiii, 1917, n.°24.

90 José Jacinto Nunes, Projecto de Código Administrativo, Lisboa, 1894.

91 Publicado em 23 de Junho de 1900, no seguimento de parecer dado por José Frederico Laranjo sobre as suas bases gerais, o Código Administrativo atribuía o julgamento das questões contenciosas da administração aos juízes de direito das respectivas comarcas (artigos 346.º e 349.º), das suas decisões se podendo recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo que, em muitas matérias, detém competência própria (artigo 367.º).

92 Cf. Decreto de 6 de Setembro de 1897 que procurou pôr termo a dúvidas de interpretação dos artigos 354.° e 355.° do Código Administrativo.

93 Mais tarde, o Decreto de 30 de Abril de 1898 alarga a competência do Tribunal de Contas nas suas duas categorias – Tribunal de Justiça Administrativa e Tribunal Fiscal das Leis Financeiras do Estado. Orecurso das decisões do Tribunal de Contas para o Supremo Tribunal Administrativo mantém‑se nos mesmos termos da legislação anterior.

94 Ver Caetano Gonçalves, «Contencioso administrativo», in Gazeta da Relação de Lisboa, ano 38.°, n.º1, p.5.

95 Preceitua o artigo 66.º da Constituição de 1911: «A organização e atribuições dos corpos serão reguladas por lei especial e assentarão nas bases seguintes: …

2.ª As deliberações dos corpos administrativos poderão ser modificadas ou anuladas pelos tribunais do contencioso quando forem ofensivas das leis e regulamentos de ordem geral».

96 Preâmbulo do Decreto com força de Lei de 11 de Abril de 1911.

97 Preâmbulo do Decreto com força de Lei de 11 de Abril de 1911.

98 Cf. transcrições deste parecer do Senado em Marcello Caetano, Acodificação administrativa em Portugal (um século de experiência: 1836-1935), separata da Revista da Faculdade de Direito, Lisboa, 1935, pp.70 e ss.

99 Sobre esta polémica, ver José Ferreira Marnoco e Sousa, Comentário à Constituição de 29 de Agosto de 1911, pp.226 e ss. e pp. 581-586; Caetano Gonçalves, Contencioso Administrativo in Gazeta da Relação de Lisboa, ano38.°, n.º3, pp.33 ess.; João Maria Tello de Magalhães Collaço, Direito Administrativo, lições coligidas por Carlos Moreira, Coimbra, 1917, pp.17 e ss. e p.26 e A abolição do contencioso administrativo e o Poder Judicial, Coimbra, 1924. Cf., também, Domingos Fézas Vital, «O caso julgado nos recurso directos de anulação», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano61.º, n.º2372.

100 João Maria Tello de Magalhães Collaço, O Supremo Tribunal Administrativo…, loc.cit. Joaquim Tomás Lobo d’Ávila já em 1874 se havia insurgido contra a atribuição de competência consultiva ao Supremo Tribunal Administrativo.

Aliás, em sua opinião, o contencioso administrativo devia ser entregue ao judicial porque defender que o órgão que executa a lei é quem deve julgar se a lei foi ou não bem executada «é sustentar a paradoxal doutrina de que o mais competente juiz é cada um em causa própria». Estudos de Administração Pública, Lisboa, 1874, p.250. Mas, descendo à realidade concreta portuguesa, afirma que transferir, na época, o contencioso administrativo para o judicial traz «graves transtornos».

Só depois de reformas administrativas – descentralização administrativa – e judiciárias tal será possível. Para o período de transição não só advoga a competência própria do Supremo Tribunal Administrativo como a criação de um Tribunal de Conflitos, para resolver os conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e judiciárias, a exemplo do que, dois anos antes, em 1872, a França fizera. Cf. pp.255 e ss.

101 Respectivamente, Revista da Faculdade de Direito, ano i, 1917, n.os1 e 2, pp.254 e ss. e «Apreciação contenciosa dos regulamentos», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano57.°, pp.225 e ss. Cf. ainda o trabalho de Domingos Fézas Vital, «O caso julgado nos recursos directos

de anulação», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano62.º, pp.290-291.

102 João Maria Tello de Magalhães Collaço, Lições de Direito Administrativo, lições coligidas por alunos em 1916, e Marcello Caetano, Sobre a legitimidade de…, loc. cit.

103 Ver, antes, porém, José Alberto dos Reis, Organização Judicial, Coimbra, 1909, p.57.

104 Cf. Marcello Caetano, A codificação administrativa…, pp.76 e ss.

105 .Cf. João Maria Tello de Magalhães Collaço, O Supremo Tribunal Administrativo…, loc. cit. O autor condena com veemência a lei que exige a homologação das consultas do Supremo Tribunal Administrativo.

106 Apêndice ao Curso de Ciência da Administração e Direito Administrativo, 1908, pp. 3 e ss.

107 Direito Político. Poderes do Estado, Coimbra, 1910, pp.784‑785.

108 Organização…, p.57.

109 As lições de Rocha Saraiva foram coligidas por Augusto Oliveira no ano lectivo de 1914‑1915. Direito Administrativo, p.329.

110 Cf. artigos56.º e 66.º, 2.º, da Constituição.

111 «Contencioso Administrativo», in Gazeta da Relação de Lisboa, ano39, n.º18, pp.273 e ss. e prefácio ao livro de Aureliano Strecht Ribeiro, Da organização, funcionamento e competência dos tribunais administrativos, Lisboa, 1942.

112 O Decreto n.°9340, de 7 de Janeiro, foi rectificado nos Diários do Governo de 22, 26 e 29 de Janeiro de 1924.

113 Preâmbulo do Decreto n.º11250, de 19 de Novembro de 1925.